domingo, 10 de outubro de 2010

Contos rejeitados II

Navegação de cabotagem

Sempre uma procura incontinente move as horas da navegação. Continentes por driblar, milhões de espaços desconexos de informações, mega bites de pixels de fotos inexistentes,que queriam existir fora do espaço virtual.
Fotos e espaços, mensagens e violões, palavras sem sentido, palavras com duplos, triplos, quádruplos sentidos escondidos nos non sense das discussões.
Eu nunca quis falar, nem tampouco escutar o que eu mesmo dizia, nem o que me diziam.
Montes de coisas não ditas que terminam por nem existir. Montes de sonhos contidos, de desejos reprimidos, de vontades cambiantes.
Eu ontem o amava, o amava desde sempre e acho que sempre amarei. Ele nunca ouviu da minha boca aquilo que eu queria dizer, porque eu também não sabia o que eu achava que sabia. Eu nunca quis saber o que foi aquilo que me arrebatou e fez existir diferente, que fez minha consciência pensar continuamente sem se dar conta.
Ele nunca ouviu da minha boca que eu o queria mais do que eu queria. Ele também nunca me disse, nada, exceto o discurso pronto de todo macho do século XXI, ou quase todos. Ele esperou muitos anos para ver enfim sua vontade realizada. Não que fosse complexo, não era, mas no fundo tudo sempre foi complexo, porque ele era complexo.
Descontínuos de paixão e de desejo. Ele jamais cederá, embora eu o quisesse, ele jamais quererá, mas eu bem queria estar errada. Eu cismo, me diz a consciência , todas as mulheres cismam, quando acham que amam. Talvez ele nunca me tivesse querido, ou talvez sempre tivesse. Mas foi demais, sua vida pacata e desequilibrada não aguentaria. Seria demais para ele, conviver com um sabonete, que se esfrega e cai das mãos a qualquer momento, sem dar sinal.
Não sei o que se passou, talvez tudo ilusão da minha parte , da parte dele. Só o tempo vai dizer. Um ano já faz. Quantos mais farão? Não sei, só não quero ficar parada,esperando Ulisses voltar pois nem sei, nem nunca soube o que fazer com ele.

Caixa de e-mail


Fazia tempo que todos os dias olhava na caixa de e-mail as mensagens que tinha recebido. Todos os dias acossava-o o mesmo receio de encontrar de novo um e-mail indesejado.
Antes só se comunicava com ela por e-mail, gostava de receber as cartas e bilhetes virtuais indecentes, que sugeriam uma boa rodada de prazer. Mas com o tempo, depois que ela disse que era apaixonada por ele, a vontade passou, como numa mágica qualquer. Conquistara finalmente o objeto de prazer, então ele não mais serviria para tirar-lhe da seca sexual.
Depois do dia da revelação, pediu a ela não mais o procurasse. Ela desobedeceu, como era de esperar. Ligou várias vezes, ele atendia, incomodamente atendia. Até que um dia parou de atender, deixou de responder aos e-mails, lia o que ela mandava e mais nada.
Uma vez ela mandou um e-mail que parecia tirar-lhe do sério. Não dizia nada, nem nada dizia, não falava indecências, nem convidava para sair, era uma crônica diária, crônica de saudade, respeitosa, que pedia um sinal de vida, apenas.
Não aguentou. O peso de algo que não sabia o que era, fez responder de forma arrogante e taxativa. -Porta fechada, Deixe-me tranquilo. Tenho namorada, firme.
Aquilo seria o suficiente para ela desistir. Não sem antes faze-lo sentir-se ridículo pelo que tinha escrito, chamando-lhe desequilibrado e não civilizado.
Um ato infantil. Fora amedrontado por um bilhete virtual, que poderia ser deletado a qualquer momento, sem leitura que fosse. Ridículo, pela falta de sociabilidade, por se esconder por trás de um suposto namoro sério, por trás de um medo absurdo que o remetia de novo a ela.
Fechou os olhos depois que leu, mas uma vez não sabia como lidar com ela. Fechou a caixa de mensagem. Ela não mais escreveu. Toda dia ele olhava sua caixa, achando que um dia ela pode mudar de ideia. Vive ansioso toda vez que vai ao seu provedor.

Desespero

Quando ela ligou pela última vez, tudo que eu queria era que o tempo corresse, a ligação caísse, ou o mundo acabasse para eu não ter que falar mais uma vez que não a queria.
Sempre fui assim, gostava de alimentar a ilusão das mulheres que saiam comigo, causar-lhes uma frustração e ficar nelas marcado como uma tatuagem que não sai facilmente, pois subcutânea minha tinta só sairia com cirurgia.
Vivi 20 anos com a mãe dos meus filhos, vivi simplesmente, maritalmente, não tínhamos o molde convencional, pelo menos diante de nós, já que diante da família conservadora não éramos tão diferentes. Tínhamos relações extra-conjugais, mas não muitas, o número suficiente para nos sentirmos vivos dentro do casamento e para criarmos nossos filhos.
Quando decidi me separar, eu já apresentava as características que agora tenho, queria me tornar recluso como o escritor, e viver para mim mesmo, de preferência sem interferência de ninguém. Eu, meus livros, minha pesquisa. Não achava que isso era algo de mais, nem de menos, apenas não queria de novo me sentir preso a uma situação e a alguém, já me bastavam os filhos.
Perto dos meus 50 anos, achava que já tinha vivido quase tudo, restava a mim poucos anos para terminar algumas coisas que queria deixar, meu livro e alguns outros escritos.
Desenvolvi por esse tempo um comportamento estranho. Sozinho em meu apartamento minhas pernas pareciam não mais querer andar, com uma contusão já curada, que insistia em ser problema. Era então fevereiro, final de verão quando eu não saía de casa, só lendo, escrevendo, quando ela reapareceu.
O peso dos 50 me assolavam, embora os médicos não registrassem qualquer patologia física. Já nos conhecíamos. Há 12 anos eu era um jovem professor num lugar que não era o meu, com uma língua que não era a minha, quando fui convencido, através de um conto seu, que tudo poderia ser azul, me encantei com seu jeito e me tornei seu amigo,ela tinha uma idade que nunca se modificou, parecia ter sempre, vinte e poucos anos. Eu sabia da sua inocência infantil, da sua forma expansiva e alegre de lidar com a vida, e não me importei com o que eu poderia representar para ela.
Fomos amigos no período de um curso e depois nossos encontros foram ao acaso. Quando me separei procurei por ela e pedi o que era impossível, tudo, sem afeto. Ela sumiu. Ficamos anos, talvez meses sem nos ver, mas ela escrevia querendo saber como eu estava. Eu sempre respondia e a convidava, ela às vezes vinha, às vezes não.
O tempo passou e nunca nos encontrávamos mais de um dia, ela sempre que vinha sumia, e eu não ligava, esperava ela ligar. Nunca quis entende-la pois julgava já saber o que ela pensava.Certas horas me irritava e me deixava acuado, mas compensava o prazer que me dava.Quando ela não vinha, eu tinha namoradas dizia a ela.
Então um dia ela reapareceu.Veio e ficou. Manda e-mail indecente e sugestivo, eu correspondo, a recebo por meses, ela entra em minha vida, é meu melhor dia da semana.
Eu começo a andar, minhas pernas não doem, minhas aulas fascinam os alunos, faço planos para mudar de casa, vejo a vida, o movimento ao meu redor, volto a praticar esportes, minha performance na cama me surpreende. Mas não saio com ela, ela vem a mim, e a prendo em minha casa, não a divido com ninguém, eu a sufoco, não com beijos, mas com teorias que a deixam tonta, e ela me ama, me come, me massageia o ego e o corpo.
Quando ela sai está exausta, pesada, confusa e eu leve, satisfeito, em forma para um homem com a minha idade. Me vicio, a vicio.
Até que eu, além de sufocá-la, passo a restringir seu tempo comigo, restrinjo sua forma de amor, sua fala, seus gestos, sua alegria, reprimo-a no que posso. Ela fica confusa, some por dias, reaparece, diz que não suporta. Explode e diz a mim o que eu fingia não ver e não ouvia, sou mais para ela do que eu achava que era.
Não aguento o que ouço, decido que não mais . Ela me procura, me liga, me passa e-mail. Não volto atrás, digo que tudo termina. Ela contesta, mas eu não a aceito.
Já tenho 54 anos, não vou mudar, sou o que sou, um estrangeiro, talvez eu morra amanhã, depois de aprontar meu livro, talvez eu volte para meu país, talvez eu fique doente, talvez eu seja doente, ela não me interessa, já tenho mais de cinquenta, o tempo para mim passou. E agora, agora é esperar.

sábado, 18 de setembro de 2010

Série contos rejeitados

A Nuvem

_Idade?Hein?Idade Senhor, qual sua idade?
O homem olhava, pela janela do décimo segundo andar do Edificio Avenida Central o relógio antigo fincado no meio da praça, em torno do qual andavam muitas pessoas e que era emuoldurado por uma grande nuvem branca.
_Senhor, sua idade por favor.
Estava absorvido pela imagem do relógio, na verdade, a imagem e a pergunta faziam parte de um mesmo universo, o tempo. Aquele presente e aquele que a nuvem branca do esquecimento vinha apagando.
A pergunta não fora de fato ouvida porque mergulhara não sabia em que oceano de memórias que o transportavam a um passado não tão longínquo, mas um pouco distante do atual. Um passado onde sua intransigência e determinação em não mais amar, tinham feito dele um ser sem afeto, ranzinza,chato, metódico e deprimido,um ser que pensava se bastar a si mesmo e fazia apologia disso a quem quer que se aproximasse.
Estava com medo, não do exame, mas da dor, dos estragos do tempo sobre seu corpo e seu cérebro. Estragos de descontrole sobre aquilo que lembrava e esquecia.
Na juventude tinha sido jogador de futebol e sempre gostara de esportes,viajou o mundo em jogos amistosos e campeonatos pelo seu país, não chegou a ser profissional, por mais que jogasse bem, pois achava que o trabalho intelectual era mais nobre.
E assim fez, envolveu-se no mundo das palavras e das teorizações, não obstante, sempre lhe sobrasse um tempinho para o corpo e seu exercício, andava na praia, jogava tenis, montava a cavalo na fazenda quando podia, fazia sexo para cumprir as obrigações do casamento, antes de se divorciar .
Todavia, depois de anos de prática esportiva chegou uma hora que parou por completo, exercitava apenas a mente, queria até mesmo parar com o sexo. Seus amigos já diziam que com a idade isso seria possível, o desejo ía embora e era a completa sublimação, mas naquele momento ainda não experimentara essa condição.
Porém, ao olhar o relógio do alto do edificio veio-lhe a cabeça o que havia dito à última mulher que transava com ele e que era anos mais nova .
Dissera a ela que estava velho e finalmente livre, livre de cobranças de aparência, de beleza, de compromissos sociais.Na juventude tinha sido muito belo, mas que isso não o importava mais, que não fazia nada para manter a forma, para melhorar o visual e que certamente viveria menos que o provável. E, se não fora pelos filhos e por alguma coisa que achava que ainda tinha que terminar, tinha vontade de desaparecer, se refugiar em algum lugar longe de tudo e todos e viver lá isolado, só com alguns livros, de preferência no Fim do Mundo, pois nada mais o interessava, nem mesmo ele. Se achava desinteressante e às vezes tinha vontade de se auto-divorciar.
_Senhor sua idade, preciso preencher o formulário.
A recepcionista já estava cansada de olhar para aquele homem, que por alguma coisa parecia ter se desligado de onde estava, do que fazia, do que dizia respeito àquele lugar.
_Senhor, qual sua idade?
Ele então de repente, como que vindo do além, responde: Tenho 55 senhora.
Cinquenta e cinco, ao mesmo tempo que falava o número se remetia de novo ao quarto, à mulher jovem , bonita que sempre o atendia com o mais insaciável desejo, a mais deliciosa dedicação e generosidade.
Ele sabia que ela o queria, que ela gostava dele, por isso sua dedicação, mas ele não podia aceitar aquilo. E na primeira oportunidade que teve, depois de ano meio de encontros semanais, disse a ela que procurasse outros garotos, outros homens, que o substituisse, que ele estava recluso, terminando seu livro, não tinha mais tempo .
Ela insistente, rogou que não terminasse a relação, mas sem ter sucesso. Ela então deu um prazo, teria paciência de esperar,antes de procura-lo de novo.Mas sabia que ele não a procuraria, ele era teimoso e quando se determinava a não fazer, não fazia, mesmo tendo vontade. Não queria dar margem para ela achar que ele a desejava, já tinha exposto sua regras, encontros sexuais, nada mais, sem afeto, sem carinho, sem nada, apenas isso.
Mas naquela hora, depois que disse a sua idade para a recepcionista, ali no consultório, remoeu tudo que vivera justamente com àquela mulher, a última, aquela que ele conhecera ao acaso de uma aula e que esperara dez anos para finalmente comer. Não que fosse romântico, mas gostava de alimentar um certo fascínio e sedução nela, sem jamais tomar iniciativa.
Lembrava que ela reapareceu porque ele a procurou, mas não a comeu, foi comido por ela, que tomou todas as iniciativas e depois desapareceu. Reaparecia a cada seis meses. E dizia na cara dele que era insuficiente.
Ela, justamente ela, que lhe mostrava o espelho vez por outra. Que não lhe cobrara nada a não ser a potência, o carinho, a brincadeira nas horas do convívio semanal, que ele havia suspenso. Justamente a lembrança dela que ele sempre apagou, não atendendo seus apelos ou email, não deixando que chegasse para lhe dar prazer, , que vinha à sua mente nesse momento.Ela que se dispusera a ficar com ele e aturar a sua velhice precoce. Ela que ele dispensou.
Talvez isso fosse um complô de sua mente regrada, que já agora apresentava sinais de falha e lembrava do que ele queria esquecer, e não do que ele mandava.
De novo a voz ao longe soou: _ Senhor, tomou algum medicamento?
Surpreso com a pergunta, ele desvia o olhar do relógio antigo da praça, deixa o tempo passado fluir e responde:_ Não, não tomo remédios.
Mal responde e a recepcionista receando que ele de novo embarcasse nos desvios da memória lhe manda entrar na cabine e aguardar que logo a máquina de tumografia seria usada. Seu cérebro seria escaneado por um feixe de luz que desvendaria todos os seus mistérios, sua doença, sua dor, seu descaso, seu amor, que ele desconhecia.
Sozinho, sentindo-se agora abandonado, ele entrou na sala, espaço quadrado com uma enorme máquina no meio onde enfiaria sua cabeça, seu tempo, sua vida, a nuvem do seu esquecimento,os prazeres que deixou escapar. Ali temeu, temeu por si, temeu por ter mandado ela partir.

domingo, 12 de setembro de 2010

intertextual III

A gramática

GG criou uma gramática, própria dele, não seria usada pela humanidade, nem pelos que falavam a mesma língua que ele, mas deveria ser usada por ele e por quem com ele estivesse.
Para quem não sabe, gramaticalizar alguma coisa é botar regras, estabelecer princípios, criar normas que subjazem aos sentidos.
Era sempre igual o que GG fazia. E seguia a risca sua cartilha gramaticalizada.
Não era sua gramática como a criada por Griffity, aquele do cinema, que trouxe para a tela uma forma nova de linguagem, com as mais altas possibilidades. Não, GG era limitado, sua regra era clara, atos na parte superior ao pescoço não seriam permitidos, atos que envolvessem língua também seriam censurados, atos de fala afetiva nem pensar, para isso, punha como Ulisses cera nos ouvidos para não escutar o canto da sereia, não se deixar envolver e ser obrigado a violar sua gramática tão querida, permitido era apenas a introjeção do objeto fálico em cavernas escuras superiores e inferiores.
Mas a cera não dura para sempre. Um belo dia depois de pegar muito sol e ter muitos trabalhos para fazer, divulgando sua gramática para todos os lados, fazendo apologia de sua gramática, e vivendo seu inferno astral,a cera do ouvido de GG derreteu e junto com a cera que virou líquida veio a audição.
Foi então que GG, estando na ilha de Calipso, escutou o canto de lamento. Um canto profundo, suave, que levava uma melodia triste que fazia dançar, mas também chorar.GG já imaginava que houvesse esse canto, mas não se deixava escutar.
Escutar o canto era o mesmo que beber um veneno amargo, que o deixaria com gosto de fel na boca, com culpa, e o faria ter que tomar medidas drásticas para fazer valer sua gramática.
GG ficou confuso, o canto mexera com ele, não sabia o que fazer ao mesmo tempo que sabia tudo. GG queria e não queria, vivia o paradoxo.
Sempre GG soube tudo, tudo era dito o tempo todo, mas a cera, a gramática, o prazer faziam ele não acreditar, ele titubear.
Mas agora a cera derretida, o líquido que ela derramou, as palavras que ela falou. Mil coisas para não mais esquecer, quinhentas mil para lembrar. Não podia aguentar, teria que sair, teria que fugir. Não iria aos infernos ter com Hades em sua morada, mas talvez tivesse que abrir mão do prazer fácil, conhecido, amadurecido ao longo de anos de espera e possibilidades.
Sem saber o que fazer, partiu para não ceder, para não ter que transigir ou transgredir as próprias regras, aos apelos que entravam pelo ouvido destapado pela cera que derretera.
Não se sabe onde GG foi, se morreu ao tentar atravessar a fronteira da segunda para terceira margem, se virou pedra ao olhar os olhos rossos de Medusa, se virou húmus ao tentar se fundir com a terra para não mais pensar, ou se mergulhou no fogo do fim do mundo. Fato é que dele não se ouviu mais falar.

Verbo

Pudera um dia escrever sem deixar que o próprio ato da escrita, em seu processo de composição entrasse pelo meio de meus pensamentos. Nesse dia ficaria contente, nomearia os personagens, criaria as situações, inventaria os enredos, comporia meus espaços, independentemente. No entanto, a gênese do que faço me persegue,quero sempre organizar e saber tudo desde o princípio.
Ora, no princípio era o verbo e não consigo sair da minha verborragia.
Senhas

Um dia ainda vou ter disciplina, escrever todo dia, inventar personagens e não personagem, botar ordem na casa e nos arquivos do computador. Criar pastas fechadas para o passado e abrir pastas novas para o futuro. Trancar com senhas esquecidas tudo o que aconteceu ontem e olhar apenas o amanhã, sem esperar que o ontem venha me visitar, nem em sonho.
Mas o sonho é cruel, nos amordaça a razão e insiste em nos atormentar.
Já perguntei a todo mundo como se faz para não sonhar, ou sonhar sem resgatar fantasmas. Ninguém me respondeu.Aliás, ninguém é mesmo esperto. Vive dissimulando para não ser reconhecido, mas também pudera, em terra de homem de um olho só, quem tem dois deve mesmo não ser reconhecido.

domingo, 1 de agosto de 2010

10\05\2010

De novo Ele

Escrevo um conto, meu personagem é o mesmo que insiste em permanecer. Nunca vi um personagem assim. Ele nunca vai de verdade, fica me rodeando, me torturando até que eu escreva mais uma vez sobre suas proezas e suas misérias, sua pobreza de espírito, sua falta de afetividade.
Acho que é isso que mais me comove nele e por isso acabo sempre cedendo aos seus apelos de escritura.
Ele só existe aqui, no papel, eu não o vejo de carne e osso, já o vi, mas hoje é como se nunca tivesse visto. Eu não saberia dizer se é gordo ou magro, se usa dentaduras ou tem dentes fixos, se toma banho todo dia,ou só vez por outra, se usa desodorante ou tem apenas o cheiro natural, se tem cabelos pretos ou grisalhos.
Que música gosta seria impossível definir. Talvez Piazolla fosse um bom chute, ou Roberto Carlos em espanhol, ou ainda quem sabe, Elvis Presley. Esse sim, acabo de me lembrar que quando eu pedia música maestro, ele sempre colocava o Presley cantando o amor. Acho que para me imitar. Eu adoro o Presley cantando "Love me tender". Me dá uma coisa por dentro, que acho que ele captou e por isso colocava.
Luz de vela, abajur lilás, parece até que meu personagem era romântico, mas não queria ser. Talvez fizesse isso para me agradar, ou apenas para criar o clima.
Não sei, já passei meses pensando nos porquês de tudo isso. Mas jamais creio que chegarei a uma conclusão.
Tem coisas na vida que são verdadeiros mistérios e permanecem assim para sempre. Uma vez ele falou isso. Tem mistérios... não sei o que quis dizer, se se referia a mim, ou a ele mesmo.
O fato é que tudo que ele me diz ao ouvido eu procuro entender, ou sentir, conforme o que foi dito, para depois criar o que ele me pede, a sua história. Todavia eu tenho que ser muito perspicaz e rápida para a informação não perder o sentido ou cair no esquecimento, meu e dele.
Acho também que ele tem mania de mentir, mente para mim querendo que eu escreva o que ele não é, e mente para ele mesmo. Acho que ele não se conhece muito bem, ou ao contrário se conhece tanto que prefere mentir ao se deparar com sua verdadeira face.
Eu não sei mais o que fazer com ele, se escrevo ele me cobra coisas, se não escrevo também. Eu tenho mil histórias com ele, mas ele não quer entrar em qualquer uma, quer aquela onde ele se saia bem na fita, de preferência uma história que nunca existiu.
Eu temo ficar obcecada por ele toda a vida. Talvez eu o faça ter outros nomes, pode isso ser uma técnica ou talvez eu apenas o deixe cair na sua insignificância que o tempo apagará, não sem dor, sem saudade, mas apagará com uma imensa frustração.

domingo, 16 de maio de 2010

Série Intertextual II

Maio 2010


Barco bebum

Rio ainda deslocada,
desterritorializada, sem o sentido que foi dado ao termo, ou mesmo com ele.
Não sei e não encontrei ainda um porto em que pudesse me sentir ancorada.
Não sei se isso existe ou se não quero criá-lo.
À deriva sempre e completamente.
À deriva querendo firmar e uma vez firmada, querendo voltar.
Talvez um barco, um barco bêbado.
Mas o barco bêbado quando envelhece não quer mais a tempestade, procura um porto também velho e seguro, em que possa amarrar sua corda e lançar a sua âncora.
A âncora que pode me salvar e pode também me matar.
Na tempestade, a âncora é ruim pode virar o barco, enquanto à deriva o barco não vira, mas sai solto, podendo se espatifar a qualquer momento em algum rochedo.
No fim, da tudo na mesma, só muda mesmo a forma de ver e sentir o porto, o tempo e o mar.



Des-pensamento

Não tem coisa que seja mais menos, que lembrar de um estranho, um estrangeiro.
Li num livro, no entanto, que o melhor sexo é aquele que se faz com um desses .
Fiquei pensando e obviamente não cheguei a conclusão nenhuma.


Sujeitos Inomináveis

Qual o nome?
Qual a idade?
Qual a vontade?
Minha maior dificuldade é chegar a um nome.
Não consigo nomear, esqueço e me perco nessa necessidade de dar um nome próprio a um sujeito que quero inventar ou tirar da vida.
João, José, Joaquim, Joana, Josefa, Joaquina.
Todos os nomes são nomes, servem para o que servem, chamar, nada mais, já que os mesmos nomes se repetem pelo mundo a fora.
Diante disso, chamo Ele, pronome, sempre pronome, os sujeitos de meu drama.
Ele é que é indefinido, ele é que não se localiza, ele é que não ama, ele é que não se entrega, ele é que teme a dor, ele é que se distanciou e perdeu o nome, ele que quer esquecer meu nome.
No fim, somos todos, eu e ele, sujeitos inomináveis, sem voz, sem paz, sem história, sem ser.



História

O que é uma história se não algo que nos dispomos a contar sem saber onde vai dar. Às vezes tem base em fatos, outras tem base em invenção. È fato para um e não é fato para outro. Quando só vemos o que queremos ver, só entendemos o queremos entender, não adianta que alguém nos explique porque nossa compreensão não vai nos ajudar.
Por isso, cada um que conta uma história conta a partir de si mesmo, e entende também por si mesmo.
Como exemplo, lembro da história de Ninguém. Aquele personagem que usou a sua astúcia para não ser identificado e muito menos querido e amado.
Ninguém, era um indivíduo comum, assim me parecia, mas com o tempo revelou-se um ser diferente. Ninguém não tinha espaço próprio, vivia se deslocando de um lugar para o outro, sem saber ao certo como se fixar. Não sei se ele queria se fixar, falo isso pois é comum pensarmos em Ninguém de um lado para o outro, vagando e conhecendo coisas novas, mesmo que imaginárias.
Todavia, tinha um ponto a que Ninguém pretendia voltar. Queria voltar ao centro de sua terra, o lugar onde tinha nascido, dizia que era o mais lindo por do sol, jamais visto.
Não se sabia se lá nesse lugar tinha uma Penélope a sua espera. Julgávamos que não, pois poderia Ninguém ter ido quando quisesse, já que vivia vagando. Mas não ia, queria terminar algo, queria ser história. Queria deixar de ser ninguém e ser um nome na história do continente. Tinha essa pretensão.
O que não se entendia era porque Ninguém, que já matara o Ciclope ceifando-lhe a visão, que já matara a professora, que já criara os filhos, e se achava o maior e mais inteligente, insistia em fazer ainda parte de uma história como essa.
Coisas inexplicáveis, já que nem mesmo Ninguém sabia que fazia parte de uma história inventada por alguém, que Ninguém não queria lembrar.

domingo, 4 de abril de 2010

Viagem pela poesia em prosa II

Rio, 29\03\2010
TRANSPIRAÇÃO
Quanta dificuldade para escrever. Sem diário escrito à tinta fico perambulando por pensamentos ignotos todo tempo e jamais paro para escrever o que penso.
Escrever exige disciplina, concentração, reverberação, ecos dentro de mim, que me ativem os contrastes de tudo comigo. É necessidade cada dia mais camuflada, para que quando decida escrever de verdade, me boicote e nada de mim surja. Crise de representação, desvios ocultos da mente dissimuladora.
Talvez eu queira nascer uma escritora, com obra prima em um único texto. Doce engodo, meu senso crítico jamais me deixará em paz. Odeio e amo o que escrevo. Cravo de balas as metáforas de minha vida, prego-as com bala de alto calibre numa parede onde podem ficar presas incomunicáveis.
Não mostro para ninguém, nem para mim em sóbria passagem por meus textos.
Já não tenho vontade de explicar, um pouco ainda tenho de entender, embora saiba que a tentativa é inutil.
Tudo é inutil, roubaram-me o desejo do ser, deixaram-me apenas o desejo incompreensível da incompletude rotineira.
Não sei como conviver com isso e apenas talvez saiba o que é isso, pois estive sempre em seu colo conspurcado.
Uso palavras que não sei o que são, que flutuam no meu pensamento sem lógica.
Poesia podia ser a melhor opção, mas não sei criar imagens que não vi.

HISTÓRIAS

Devo iniciar uma nova\velha história, todas as histórias são velhas, todas já foram contadas por alguém.Nada posso inventar que me tire da prostração da não criação.
Viagens, amores, trabalhos nada mais banal para poder criar. Talvez a morte me surta algum efeito, ou quem sabe a vida. Tanto faz, são faces da mesma moeda da existência perdulária sobre a terra. Qual ficará, a ideia ou a moeda. Mais provável que seja a segunda.
Não sei para quem escrevo, quem leria esse universo caosmótico da minha cabeça deturpada.
Dei agora para pensar pensamentos de palavras, digo à Alice, livro de palavras é o que temos. Nem sempre são de ideias.
As vezes são palavras com ideias, outras, palavras que dizem imagens, outras ainda palavras sem explicação, ou ainda só explicação de algo inexplicável.
Cavuco o pensamento para me dar o deleite, o azeite, o descompromisso com o entendimento de mim, da vida.
A bateria que movimenta acaba, tudo é quente entre as coxas úmidas. Tem que mudar, ligar na tomada para continuar o trabalho.
Tudo parece fragmento, lendo assim é até erótico,nada se casa ou se separa perenemente para justificar uma vida independente.
Quero falar-lhe, escrever-lhe, incomodá-lhe, não é bem isso. Não sei de fato o que é. Talvez nunca saiba e me questiono, para que saber?
Se já sei o que não é, para que saber o que é.
Sou o próprio universo fagocitado pela história que nunca existiu.

LEITURA INDOMADA
Ler você nos últimos tempos foi fundametal, não que tivesse lido o que melhor você fez, nem automóvel, nem maravilhoso, nem lei, nem fé, ou miscigenação. Ler simplesmente o que talvez seja renegado, o arroubo da juventude, a ficção, aquilo que lê a morte como forma de permanencia inevitável da história.
Re-ler você, ainda no mesmo e único livro que tenho foi inexorável, para que sem máscara pudesse entender na sua língua a sua forma de existir. Espantei-me em ver a presença de Enrique. Quem foi Enrique? Como saber? Inventa Enrique, como qualquer um, sem saber que se inventa ou pensa se inventar.
De quem era a presença, o deus que vira monstro, o non sense do oprimido seduzido, que se deixou seduzir para também seduzir.
Parece que nunca finda esse discurso fora da ordem, esse discurso da não regra, do lugar indevido, da falta de interesse. Para que isso? Deslocar letras e espaços em busca do nada. Deslocamentos em vão, criações em vão, mas é no vão, na versura, no entre um verso e outro, que posso talvez encontrar o caminho que leve a linearidade inexistente.
Ao longe, Hey Jude na gaita, é uma hora da madrugada, que universo conspirador,logo essa. Adoro Beatles!!
Acho que nasci quando a utopia tinha terminado, aí ficou o gosto indecifrável de algo que não conheci. O tempo foi desconexo, quando teclaram "enter" para baixar, já tinha passado da hora. Você já tinha tomado o bonde que levava para garagem e eu perdi . Fiquei no ponto parada, meio sem saber o que fazer.
Não que bonde garantisse parar naquele ponto que eu estava, não tinha qualquer garantia, até porque bonde que quer ir para garagem não pega passageiro no meio do caminho, é norma. A não ser que o motorneiro queira se arriscar a dar uma carona, que pode ser prazeirosa. Mas só depende dele. É querer ir além de suas próprias normas internas de constituição dos sistemas de defesa e de chatisse. É querer brincar com a vida , antes de pendurar as chuteiras, e tirar a dentadura para colocar no copo com água.
Eu esperava carona, ao mesmo tempo que tinha a sensação de que seria muito dificil.O rigor, o veneno do escorpião são feitos para não dar ar e asfixiar qualquer movimento da presa.
Todavia, eu tenho um pulmão a mais. Minha imaginação tem garrafas de oxigênio reserva ,que não sei quando acabam.

ESCRITURA

Todo dia eu quero te escrever, mas procuro sempre dissimular meu desejo e passar o dia e a noite e não fazê-lo.
Por que isso?vontade e dissimulação, eu não sei responder. Talvez porque respeite demais certas regras. Eu não penso em te ligar jamais. Não aguentaria ver você tenso ao escutar a minha voz sem saber o que fazer,como se o fato de eu ligar fosse o mais improvável dos fatos. O que não seria, se eu não o fizesse assim.
Mas escrevo, não sei porque. Também nada mandei para você. Acho que você ficou muito assustado. Talvez com receio de ser um personagem. Mas você tem tudo para se-lo. Esse jeito ... essa fala, essa pele, todos os avessos,todas as medidas e limites, e formas de censura e controle seu e do outro são de um surrealismo absurdo, que ao invés de afastar aproxima, pelo desejo de ultrapassar, apenas. Queda de braços, quem podia mais? Você venceu, sua maturidade de vida e imaturidade emocional te fizeram sair antes do jogo terminar. Era um jogo, perigoso,mas jogo, e quem desiste,não ganha. A sensação é de saudade do que não pode ser vivido e sentido,porque você não deixou. 29\03\2010

Viagem pela poesia em prosa

DEZ LINHAS 1/3/2010
10 linhas, nada mais que 10 linhas.
Minha paixão antivolúvel não se sustenta por mais de 10 linhas.
Ela me secou,
Não tenho lágrimas para chorar sua partida covarde pela porta dos fundos,
pelo fio do telefone celular.
Te escrevo do campo do absurdo literário.
Um Deus que se transforma em monstro, pela onipotência recolhida dos objetos de saber.
Uso suas palavras para te ler e entender, por que?
Você cruelmente se cala.
Sem sentido, se oprime para não sentir, nem pena.
Recusa-se entender a insistência.
Foge para não ver a dor que provoca.
Se clausura para não ter desilusão.
E se perde, porque não pode se achar.
Desconhce a dor, o amor, a compaixão.
Não permite o amor, nem por você mesmo.
Narciso sem riacho, homem sem espelho.
Sem tempo para permitir vida fora do papel.
Seu universo é verbo-escrito-atemporal, sem expectativas.
Para te ler, não posso te escutar, tenho que te inventar,
objeto frágil de mente corrompida pela perversão do não.

IMAGEM
Talvez por muito tempo sua imagem persista em me atormentar.
Ainda não joguei fora sua foto, não tive coragem.
Ela habita o espaço virtual de meu telefone celular, nada mais.
Eu ligo a imagem achando que ela é você, que nunca existiu de verdade para mim.
Invento a história que eu não queria que fosse.
Escrevo a história que eu queria que fosse.
Não importa, na vida é tudo mesmo invenção.
A invenção de que você exitiu,mas não era de carne e sangue.
Era feito de gelo, que não derretia.
Era gelado, não de gelo que com a boca quente desliza em forma de água,
mas gelado de lâmina, que além de fria corta.
Corta sonhos, corta desejos e ilusões.
A máquina perfeita para desafeto, dessabor, despaixão,destudo.



DESCONEXO
Meu desconexo sentido não monta algo linear, nem inteiro.
Escrevo em prosa versejante, poema em prosa, livro de palavra.
Descubro a imagem do nada que me tortura de saudade.
O branco da pele, gosto do tato, a frieza comedida, medrosa, inderme.
Estranho- indivíduo que não se permite conhecer.
Estranheza- sensação que se tem quando o estranho se apresenta para você.
Estrangeiro- aquele que não quer fazer parte do seu dia-a -dia.
Estrabico- o que vê você pelo lado que não queria.



CAVALO DOIDO

Pensamentos são seres indomáveis , quem diz que doma esse cavalo doido que habita dentro de nós certamente é mais doido do que o próprio cavalo doido.
Ser indócil, irreverente, que assola o ânimo e perturba a mente já alvoroçada na noite, no dia, na manhã,na tarde.
Andava eu a noite pelas curvas do alto, o visual era o vazio, as curvas se multiplicavam e sem carros ficavam ainda mais curvas. O asfalto misturava-se a bruma que a chuva deixava. Não era tarde, mas a sensação deixada era de completo isolamento do mundo. Estranhamente, entrei naquele torpor que a floresta causava. Sentimentos de não pertencimento, não conexão, desconexão, treva sem luz, com luz, derradeiro cheiro de enxofre. Caminhos que não levam a paz.
Uma imagem de floresta me corrompe, uma casa na floresta, um ser florestal que não gosta do canto dos pássaros,nem dos insetos, que se julga uma máquina, que não se importa em não ser amado.
Que ser cruel é esse? Um estrangeiro em nosso mundo tão passageiro. Ele não quer estar, não quer ficar , só quer ir, e indo foi quando quis.



COMPREENSÃO- 22-02-2010
Por mim não pararia mais de tentar converter em loucas palavras as imagens do que me acompanha. Desterro, exílio, ostracismo, asilo,abandonar-se, livrar-se, essas palavras não me pertencem, são dele, do Estrangeiro.


ESTRANGEIRO

Acho que o resto da vida o Estrangeiro será o meu personagem. Ele não sabe ainda disso, e abominará a minha escolha. Mas eu não tenho culpa, não somos nós que escolhemos os personagens , eles nos escolhem, eu não tenho qualquer autoridade sobre ele, eu bem queria que ele morresse,para me livrar de suas possibiilidades de pensamento, mas eu não mando nisso, ninguém manda, nem mesmo ele controla sua própria existencia tumultuada.
Eu apenas , o que faço é refletir como um espelho bisotado, as imagens distorcidas por minha retina já fatigada de incompreeensões.


FORMA E GÊNERO

Eu não faço poesia, porque não sei fazer. Faço prosa, invento um gênero.Misturo carta com diário e imagem com desejo e fica tudo meio banhado numa tijela com leite condensado ralo, aquilo tudo fica alí boiando sem muito sentido ou razão. Eu não gosto da razão, porque ela me faz ver o que eu não quero, ela me doi onde eu só quero o prazer, ela não alivia quando eu quero colo.
Eu devia aprender a fazer poesia, e de uma vez por todas me livrar da razão e dos sentidos obsoletos que tentam dar à vida, e que certas pessoas se impõem quando estão diante de outras.



SURREALISMO

Talvez eu agora me abrigue nos braços do surreal. Ele me permite a escrita automática, o nexo bidimensional, a história por inventar, o fato inexistente, o amor sem afeto, o desejo incontido, a poesia dislexa, a cor do sangue, a água em gás, o medo do futuro, a ogeriza do passado, o ar sem perfume,o suor doce, o beijo sem língua, a chupada sem saliva, seca, morna e ardente, o último tango que leva a morte e traz a vida.



PESSOANDO

Não queria que esse personagem ficasse abstratamente rondando- me. Eu não posso mais ficar a dispor dele para desvendá-lo. Não cabe mais a mim esse papel, ele mesmo já disse. Jogue tudo fora, tudo que foi escrito, dito, vivido e principalmente imaginado.
O imaginado no fundo é o pior de todos. Aquilo que foi dito, escrito ,vivido, pelo menos tem uma existência real, dá para interpretar, falar com outras pessoas, tentar ver o que alguém, além de você, diz . Mas o imaginado, não tem possibilidades concretas, ele vive só no campo fecundo da invenção, ele possibilita o tudo e representa o nada. É a coisa paradoxal que já existiu. Parece mesmo aquela história da pessoa que teme a expectativa do outro, que tem medo da expectativa do outro sobre ele . Quando na verdade o que existe é a expectativa dele mesmo. O outro não está nem aí.
Mas o que acontece é que o outro muitas vezes brinca de fingir, e finge tão bem, que chega a acreditar no seu próprio fingimento. Quase pessoano, porém mais dolorido, quando a realidade se impõe e a falta se faz presente.
Poeta, fingidor, professor, fungidor, homem, fungidor, mulher, fingidor, amor finge-dor, dor de verdade, falta de verdade, ilusão de verdade. Vida- movimento de quem está esperando que algo aconteça antes de morrer.

A conversa

Depois de uma simples conversa de prática religiosa pelo Msn, pois não se tem coragem de faze-lo em viva voz, o personagem solta uma pérol...