quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

série- Minha cidade

Inicio aqui uma série de pequenos textos acerca de minha  cidade e minha infância, surgirão personagem de minha imaginação ,mas também pessoas. Os textos irão se escrevendo sozinhos ao gosto da ocasião , da memória  e suas associações.   


Depois da chuva
Achava sempre, que depois de uma tempestade chegaria à praia algo diferente. Uma pérola, fantasia de criança, um tesouro, um bicho morto, uma garrafa e sua mensagem. Cresci sem pérola, sem bicho morto, sem garrafa e sem mensagem, mas sempre ia buscá-los depois da  tempestade. Certa vez,  era bem pequena, encontrei uma sabiá. Levamos para casa, cuidamos dela, ficou  boa e voou, não sei para onde.
Outra vez a tempestade  trouxe um corpo, já estava duro. Eu nunca tinha visto um assim , parecia um lobo do mar, uma calça preta já pelo meio da canela, uma blusa listrada, estava todo duro. Não me lembro mais se os olhos estavam ali, creio que não, os siris já tinham comido. Não sei também ao certo se identificaram o homem, certamente que não. Do lado dele alguém acendeu uma vela. Hoje me lembro do conto “ Uma vela para Dario”. Não foi essa a situação, mas de qualquer maneira era um morto. Não sonhei com aquilo, e não sei como fui parar ali para vê-lo.  Mas  sei que devo ter fugido, porque sempre que acontecia algo não rua e  que de casa ficávamos sabendo eu achava um jeito de ir ver e ía.  
Esse senhor morto, lobo do mar, devia ser alguém que caiu no mar, ou foi jogado, já morto, esperavam a polícia para saber, para investigar. Mas minha mente infantil só tinha uma curiosidade, por que ele estava assim tão duro. Não tive medo, hoje só lembrança.

O trem 

Antigamente havia um trem. Não um, vários. Tinha um que chamava Macaquinho, era marrom e todo de madeira, assim meus olhos infantis o viam. O outro era chamado Litorina, todo prateado. Não me lembro de ter andado na Litorina.  Mas no Macaquinho eu lembro de um dia em que minha tia  nos levou a praia de Junqueira, fomos e  voltamos. Eu, meu irmão, minha prima e ela,minha tia que não existe mais.
 A história do trem em minha cidade foi muito triste. O trem vinha do Rio de Janeiro e trazia  os passageiros. Naquela época não havia ainda a rio\santos  rodovia federal , a  Br 101 sul.  Dessa  forma,  acho que desde o início do século XX, não sei em que década, o trem chegou à Mangaratiba.   Terminava sua linha  ali em frente ao porto, pier. Ali havia uma caixa d’água  de pedra onde a máquina se refrescava, era o   fim dos trilhos.  Antes de chegar ao fim da linha  havia a estação, num plano mais alto que a rua, com uma casinha na ponta de  cor azul claro. Essa é a que me lembro.
Minha casa ficava a um quarteirão da linha férrea e eu criança  gostava de colocar pedras sobre os trilhos e ver depois a pedra virar pó. Fazia isso sempre que podia, sem imaginar o perigo que corria e a que submetia o trem.    
Perto da estação  ficava nossa loja. Eu era pequena na loja de meus pais,um armarinho, que ficava de frente para a estação, ali quando chegava o trem  eu via as pessoas passando,  de repente a estação enchia de  gente e rapidamente esvaziava, eu  prestava atenção a  todo  aquele movimento. Não me recordo quantos anos  tinha, mas sei que logo depois o trem deixou de passar, diziam que por causa da MBR, ou seja, interesses maiores que o do povo pairavam naquela ocasião. Devia ser a década de 70, 75,76.  Época  em que  a  opinião do povo não  valia nada, faziam o que queriam com ela e todos permaneciam calados.
Aliás,  sempre me pareceu assim,  alguém chegava destruía tudo e ninguém falava nada. Não entendo muito bem esse silêncio e omissão da minha cidade. Às vezes tem uma voz  esquisita, que   anonimamente se coloca. Mas chega  a ser ridículo, pois   uma voz anônima não pode representar o povo, parece o livro do Gabriel Garcia Marques, “Veneno da madrugada”.
Mas essa falta de  vontade política, essa omissão não é só da minha cidade, hoje isso ocorre no povo em geral, dos mais  velhos  aos mais novos.
E o trem passava, fazia aquele barulhão, ia do Rio a Mangaratiba cortando o litoral.    Saia da central  com os passageiros, passava no subúrbio e entrava na Costa Verde por Santa Cruz. Hoje o trem faz o mesmo caminho, mas só leva minério trazido desde Minas Gerais. Vem cortando por Ouro Preto, Mariana,até chegar à Guaíba. Dizem que esse minério tem tempo para acabar e quando isso acontecer...   Aí eles  podiam aproveitar a rede até Santo Antonio e começar a trazer os passageiros de  volta.
Mas isso é sonho. Se as coisas fossem sérias, o trem seria o meio de transporte mais viável, menos poluente,  que transporta mais gente e coisas. Mas  tem outros interesses, sempre tem.


 De branca se fez azul

Domingo era dia de missa. Ainda é. Dia de descanso. O sétimo dia, quando Deus depois de fazer o mundo aproveitou para ouvir  um pouco de música e as lamentações de quem só vem pedir em seu dia de folga.   
A igreja era pequena, mas para meus olhos de criança era enorme. Isso se evidenciava pela distância da porta de entrada até o altar, pela altura da cúpula e também pelo tamanho dos bancos.
A missa das crianças era às 8 da manhã. Meus pais dormiam e eu acordava cedo, botava minha roupa e saia. Tudo era deserto e só na praça  encontrava com os amigos de domingo, que como eu faziam o catecismo.
Nossa missa era a mais animada, cantávamos com o Frei Afonso, que se alegrava com a criançada.  Embora  lêssemos toda as orações, o momento mais esperado era o das músicas  e além  das da liturgia tínhamos muitas outras.Bom dia meu amigo, o rei Davi, músicas que repetíamos incansavelmente com alegria.
Mas esse era o final, antes de entrarmos na igreja dona Queta e dona Cordélia no salão da igreja faziam as  nossas pregações. Distribuíam  as leituras, ensaiavam os cantos, definiam quem entraria levando os objetos da missa. O cálice, o vinho, o paninho, a água,  e a vela. Na verdade era tudo  dividido, porque eram tantas crianças querendo levar  os objetos que cada coisinha tinha que ser separada até chegar ao altar.
 Frei Afonso para ficar mais perto das crianças colocava uma mesinha como altar no meio da segunda nave. Isso possibilitava que toda a nave ficasse cheia de crianças, com sua mesa no meio. Nas escadas que davam para o altar nós sentávamos de frente para o público, sentávamos  também nos dois bancos laterais. Tinha dia  que tinha tanta criança que  acabávamos ocupando também o primeiro banco  da segunda nave, onde ficava o povo. Todavia ali, não era para mim, o melhor lugar. Quando sentava embaixo, junto ao povo, não conseguia prestar atenção em nada da  missa.  A grandeza da igreja para o meu tamanho fazia com que eu ficasse toda a missa prestando atenção  nos detalhes da igreja, nos santos, nos ornamentos, sem contar  a altura dos bancos que deixavam minha pernas balançando e conforme a música eu e  outras crianças íamos acompanhando com bailar de pernas  no ar tudo que tocava e cantávamos, a ponto de chamarem nossa  atenção pela competição de qual perna ía mais alto durante a música.
Também era alvo de debate entre nós crianças, o que haveria naquela portinha sobre o altar principal. Sabíamos  que era a hóstia  guardada ali. Mas aquela portinha fofinha, parecendo acolchoada, com chave guardada  pelo padre  instigava nossa imaginação; primeiro por ser guardada e fechada, segundo porque não tínhamos altura para ver o que era. Achávamos que era uma geladeirinha pequena, um lugar com jóias, qualquer coisa, que ficávamos ali falando e imaginando.
Na entrada da nave do altar, no alto, quase no teto, tem um ornamento enorme  branco e ouro que fica virado para baixo.É como um brasão grande seguro pela lateral no teto. Eu sentava e ficava olhando  para ele e imaginando se ele caísse, também imaginava formas que teriam usado para coloca-lo naquela posição.Traçava vários mecanismos e não imaginava uma escada tão alta e nunca tinha visto um andaime na  vida.
Antes de fazer a comunhão sonhávamos com aquele pãozinho...        

A conversa

Depois de uma simples conversa de prática religiosa pelo Msn, pois não se tem coragem de faze-lo em viva voz, o personagem solta uma pérol...