segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Série Intertextual

Barata Vespertina

Eram 7 horas da manhã de sexta feira, dia que todo mundo espera para no seu fim brindar a semana.
Desce o carro preto pelo Rio Comprido e pára no sinal da Paulo de Frontim. Atravessando sob o chuvisco que caía uma enorme barata.
Para qualquer uma que estivesse ao volante aquilo seria motivo de histeria.Porque barata é assim, ou provoca ataques de pelanca ou uma grande investida no interior de quem olha. Grandes pensamentos são feitos através da barata, esse ser pré-histórico, ancestral que vive desde o tempo das cavernas e que sobrevive até a radioatividade. Se o mundo acabasse na época da Guerra Fria somente elas ficariam para contar a história de uma civilização que sucumbiu aos sistemas econômicos, que no final eram os dois a mesma coisa.
Ela era marrom, como aquelas que aparecem em dia quente voando pela nossa janela. No entanto, não voava, tinha sido quase atropelada por uma bicicleta que anteriormente passava pelo canto direito da rua, quando o sinal ainda estava aberto para os carros.
Disciplinada e calma sem que seus sensores detectassem gente por muito perto, ela atravessava, os carros esperavam o sinal abrir para seguir.
Fiquei olhando-a, passiva e distante. Ela chegou ao lado esquerdo, meio fio da rua onde eu estava, vi que tinha ficado contente pelo espaço percorrido. O sinal abriu, eu segui . 4/12/2009.
O processo

Mais uma vez a denúncia foi feita, diante disso só resta apurar, verificar se as provas feitas condizem com todo resto para depois ter um julgamento. O crime é o de sempre, erro na escolha do personagem, dolo no envolvimento, achando que ele ia mudar, ilusão em não ver o que as coisas são,ou visão deturpada pela fantasia do amor.
O processo é longo, várias medidas interlocutórias, vários recursos, vários advogados contra, todos advogam contra o desejo ,até mesmo o objeto desejado, que sumiu, não tem endereço fixo, não dá para ser citado. A ré fica sozinha, ela e sua loucura de imaginar que algo poderia ser diferente do que foi.
Cada dia de audiência uma pergunta diferente, um depoimento novo, questões que nunca vieram a tona. O que se escreve é diverso do que se fala. Parece que a ré tem dupla personalidade, escreve na dor tentando elaborá-la, racionalizá-la, mas tudo é em vão, com mil desdobramentos a dor permanece. Está fadada a ficar até que seja substituída por outra.
A ré tem momentos insanos, tem horas que não sabe quem ela é, se é ela ou outra. Se auto-flagela por ter cedido, por ter investido. Tem os olhos fixos, tem a face triste, e a tez escura nos cantos dos olhos de tanto chorar.
Chorar não adianta, arrepender-se também não, o tempo não volta para desfazer o crime.
Sente culpa, muita culpa por ter investido em algo que sabia errado. Desde sempre foi assim, era errado pelo impedimento do casamento, depois foi errado pelo impedimento psicológico. Mas a ré, teimosa, achou que conseguiria separar, como o desejado, todas as partes. Não conseguiu. E ainda foi agravado o crime pelo fato da ré dizer ao desejado que o desejava. Desejados não podem ser informados da verdade, devem adormecer na ingenuidade da criança ou do intelectual diante da vida. No entanto, a ré o avisou, por isso foi denunciada e também por isso sofrerá a sanção.
Por ser reincidente e já ter vivido muito a ré pode, nesse caso, ter alguns benefícios, como por exemplo, a pena pode ser cumprida em menos tempo, mas isso é beneficio que não depende dela, mas da vida.
O juiz julga: pena de reclusão, regime fechado, luto, dor com torturas psicológicas,dor pela falta de esperança, em saber que jamais será como imaginou. Frustração, a maior de todas. Tudo é o que parece ser, nada é diferente. A imagem que o desejado faz de si mesmo é a que ele revela em todos os tempos, só acontece diferente nos filmes e nos livros. A literatura e o cinema inventaram o final feliz, aos mortais cabe viver o final infeliz.


Telefonar

Ligar ou não ligar? Eis a questão. Uma questão que se subdivide em itens que não compreendo,mesmo que queira. O medo me acossa o espírito e me sinto um mosquito que não tem paradeiro depois do inseticida. Atordoada, alienada, obcecada por uma questão que não tem resposta se não em mim mesmo. Para que?
Ligar para ouvir que não há mais, que não existe mais, que passou, que foi ilusão. Qual pensamento que pode prever qualquer realidade. Não sei. Mentir seria a solução, mas não escolhi essa alternativa, por isso a angústia me invade, finjo que sou quem não sou e reescrevo o que sou. Ser ou não ser? Eis a questão!



Não é a Biblioteca de babel

Meu primeiro livro traz a tona um questionamento antigo, se a realidade é linguagem, nós sempre estamos vivendo de literatura? Para mim parece que sim, ao inventar meu personagem a confusão que aparece é se tenho o que vivi ou se invento o que vivi. Os fatos são reais, sempre, o que nunca é real são as interpretações que temos deles. Cada dia que lemos nossa vida e nossos diários entramos nos hipertextos diversos que eles propõem , que são nossos próprios parênteses das coisas que vivemos. Ao entrar nesse simulacro da escrita, não conseguimos voltar, a vida e a literatura se misturam de uma tal maneira que não sabemos mais o que foi e o que não foi.
Todavia, seja vida ou literatura a dor lá está, a velhice, a doença, as perversões, as tristezas e alegrias também, todavia essas menos criativas que as outras.
Expulsar o que me incomoda pode ser a razão disso tudo. Criar um outro mundo também.
Parece fácil criar uma história que nunca existiu, mas nada é mais complexo porque falta referencial. Só criamos com o que ouvimos dizer, com o que lemos, com o que pensamos que vivemos. Só assim, com base nisso tudo é que nos predispomos a falar.
E quando falamos, é de nós é dos outros que também falamos.



Personagem

Compor um personagem não é fácil. É preciso que o conheçamos primeiro para depois falar dele. Ele deve um existência em nós mesmos para depois criar vida. Deve ter um que de misticismo, um que de desconhecimento também. Deve jogar tênis, e ser enigmático. Tem que se deixar penetrar e ser intangível ao mesmo tempo. Tem que gostar de livros e amar as mulheres, mas também judiar delas. Deve ser egoísta, se sentir o máximo e se sentir um merda. Deve lembrar os personagens do Canetti, e ser rude como os de Borges. Deve amar os jardins, e viver na torre para admira-lo de cima onde ele é mais bonito.
Deve querer sair, querendo ficar, chegar querendo sair, gritar querendo calar.
Meus personagens são assim, reflexo de um mundo conturbado, de uma garganta asfixiada, de um desejo reprimido, eles são sempre desejantes na vida e na literatura. Constroem seu mundo para si mesmo e não permitem que ninguém entre, quando alguém ameaça entrar eles reagem. Uma rebelião de personagens, todos correndo desesperados a procura de autores que nem sempre querem existir.

A morte de Enrique Job Reynes


Quem era Enrique não interessa,mas sim como este morreu. Tem pessoas que morrem triste, outras morrem sonhando, morrem de morte morrida ou de morte matada.
Pero Enrique, nosso personagem,morreu de morte matada, embora estivesse já há tempo no caminho da morte morrida.
Era primavera, quando as chuvas se intensificam nas tardes quentes que esperam o verão. Enrique saíra cedo de casa para trabalhar. Trabalhava toda tarde em seu ofício. Cercado de jovens ele falava sobre o fim, a morte, o fim das representações ou começo delas, o fim da vida, os deslocamentos, o fim do mundo. Compartilhava essas idéias com as pessoas já fazia tempo e suas investigações progrediam. Até que a idéia de fim, sem que isso levasse a um novo começo, principiou a fazer parte do repertório intercorrente de seu pensamento.
Falava , agia,trabalhava, estudava e a idéia ali,não se movia,não aumentava,nem tampouco diminuía ,mas estava ali, a deriva nos entre lugares de outros pensamentos.
Era um homem reservado, falava pouco, tinha poucos amigos, uma vida serena em detrimento dos pensamentos conflitados que o torturavam. Queria entender os mecanismos das coisas e não as coisas propriamente ditas. Interessava mais aquilo que não era, do que o que era.
Quando a idéia que não se movia começou a fazer parte de seu cotidiano, ele não se preocupava, achava que não pensava o que de fato pensava. Se perguntado sobre a idéia ,desconversava porque não era a sua provocação.
Todavia a idéia estava ali, submersa em outras questões, escondida por sob os papéis, disfarçada em outras palavras, sempre a espreita. Até que naquele dia, que era de primavera, e chovia muito, Enrique, depois de passar na casa de Delmira, sua amante,mas que não faz parte da história, saiu do mundo das representações do fim e fez seu próprio fim. Morte matada para os jornais.
Enrique Job Reynes, que outrora matara Delmira e depois se matara, dá cabo da própria vida deixando a amante livre para criar a história dos dois. (23/10/2009)

domingo, 20 de setembro de 2009

Conto cotidiano

Ele não é, o que pensa que é (20/09/2009)

Acho que uma das coisas que gosto nessa relação é o que ela me promove escrever. Eu gosto dessa punhetação mental, sem dor, me faz ver ele, eu, a relação, falar pra burro, esquecer que ele pode se entediar comigo. Mas se se entediar vai embora, deixa quieto, vai perder o melhor da festa. E ele quer perder esse melhor? Lógico que não. Diz que não se importa, mas não fica sem vir. Fica nervoso quando não vem, quer terminar tudo, tudo o que? Se nada existe. Que esquisito esse homem. É o mais louco de todos. Fora da terra. Fora da vida comum, da realidade banal. No mundo dos pensamentos filosóficos, da idéias. O que mais me fascina é isso, essa diferença, uma diferença que as vezes me dói muito, mas que me aguça o desejo de ir, ir ,ir. Não sei onde vou, como vou, com quem vou, mas tô indo. Temo várias vezes estar parada na estrada. Mas não tô. O dia tá passando, a hora tá passando, tô envelhecendo, tô amadurecendo, tô dando outra interpretação para história.
Refazer a história é legal. Passa pelos sentidos e faz parte do processo de auto-análise . Auto –conhecimento. Quem sou eu? Quem é você? Quem é você homem de marte? Por que você veio parar aqui na minha rua?Na minha casa? Ocupar o meu espaço virtual.
Veio porque eu quis que viesse. Eu te procurei, eu te fiz entrar. Mas agora não sei como fazer você sair. PQP. Talvez seja isso uma enrascada. Mas o que na vida não é? Eu queria na verdade que você fosse mais que você é, que fosse um interlocutor. Mas você não quer ser interlocutor. Alguém para dividir o dia a dia, conversar, trocar idéias, sem medo de errar, de falar besteira. Talvez eu esteja querendo um amigo? Ou um companheiro? Amigo com sexo é marido? Ou pode-se ter amigo de verdade sem ter sexo? Amigo homem? Poder pode, depende do amigo. Pode até ter casamento e namoro sem sexo, que dirá amizade.
Tantas questões que envolvem isso. Eu continuo achando que ele é intocável , ledo engano o meu. Ouvindo, vendo descubro que ninguém é. Que sua forma de agir é nada mais que uma defesa, grande defesa em lidar com o que não conhece.
Ele não me conhece, por isso não sabe lidar comigo. Acha que eu sou igual as outras mulheres da sua vida, mas apesar de ter semelhanças, não sou. Sou mais mimada, talvez, mas maluca, mais romântica, aceito-o loucamente, entro no seu jogo como ele quer, reclamo do que ele não gosta de ouvir reclamação. Ele se perde, eu não vou deixar-lo sair. A não ser que ele queira. Que se vá sozinho, sem rumo. Desterritorializado, sem lugar. Ele é um sem lugar, sem raiz. Não, ele tem uma raiz. Tem sim, tanto que volta a ela sempre. Talvez seu problema seja esse. Talvez na sua terra ele seja, enfim, ele mesmo. Ele pense em si mesmo e não nas suas idéias sobre si mesmo.

domingo, 30 de agosto de 2009

Caderno do cotidiano

Cotidiano
26/08/2009

Se ontem buscava um sentido,hoje ele já encontrado e entendido, para daqui a pouco ser perdido, me dá certa segurança. A vida é isso mesmo. Se não temos um manual, Vida modo de usar, vamos seguindo com ela desse mesmo jeito, tropeçando aqui e ali. Fazendo coisas que queremos e outras que achamos que queremos, e só descobrimos que não era bem assim, quando chegamos ao final do trajeto.
O cotidiano nos mostra que tudo é possível, que uma falha química dentro de nós pode provocar estragos enormes em nosso ponto de vista.
De manhã a sensação de obscuridade é enorme. Sveglio, num bom italiano, e fico pensando em tudo que envolve o dia e a sensação esquisita. A vontade é de voltar a dormir, para na morte do sono, esquecer que tem vida. Mas não dá. Tumultos de pensamentos detonam em marcha lenta todo o universo de questões por vir. O telefone toca. Tem que levantar. Quando levanto esqueço o que sonhava, num misto de dormir e acordar. Esqueço o que pensava e que planejava registrar.
O dia segue, meio dia o ânimo é outro, os desejos são diversos. Outra luz sobre o dia, conforme o sol, as cores, o sentir vai também se transformando. Ainda sinto um quê latente,um certo desconforto mental. Mas estou dominando isso tudo. Estou monitorando o que sinto. Tomo atitudes de acordo com a vontade que está violada mas não prejudicada pela dor do sentimento.
Final da tarde, início da noite, disperso em trabalho e falas e contatos humanos sou outro ser. O discernimento parece claro, tudo tem sentido e objetividade. Um pouco de ansiedade talvez, em fazer essa constatação, mas a plenitude do sentido me parece algo mágico. Questiono como pude pensar diferente em outra hora do dia . Chego em casa sem idéias viciadas. Sou dona de mim outra vez, sei quem sou, tenho sentido, entendo questões.


Sentido- o que sinto.
25/08/2009

Onde está, alguém pode me dizer onde está esse filho da puta sentido da vida? Poderia alguém me afirmar com todas as letras se esse infeliz que nos atormenta de fato existe. Se ele não é apenas isso mesmo, a vida. Essa jornada insalubre, perigosa, chata, cheia de coisinhas e chatices e mimos e desilusões. Cheia de momentos bons que são contados sem valer muito a pena, cheia de coisas desinteressantes e interessantes também. Se tudo é interessante o que é essa jornada, se não algo que não tem muito sentido.
Tem gente que diz que o sentido está em alguma causa em nome da humanidade, do planeta, de um povo. Talvez estejam certos, mas em qual causa nós pobres mortais estamos envolvidos? Eu não conheço ninguém que não esteja envolvido com a sua própria causa, e ela, apenas ela. Às vezes uma coisinha a toa pelo social, uma cesta básica e mais o que?
E que porcaria de sentido é esse?
Me pergunta se tenho valores para minha vida, se tenho um sentido discernido no meu consciente, não tenho. Tenho o que todo mundo tem. Viver . Esse é o sentido dessa bosta. Viver, comer, dormir, transar quando dá. Criar filhos. Talvez seja esse o sentido da vida de muitos. Tenho filhos para criar. O sentido da vida das pessoas é ter um filho e botar o seu sentido neles. Eles são responsáveis pelo sentido da vida delas(dessas pessoas). Daí se perdem os filhos, morrem também. Dão sua própria vida pelos filhos. Lógico o sentido da sua está neles, tem mesmo que dar. São a sua maior preocupação.
Será que eu terei que ter um filho para encontrar o filho da puta do sentido.
Toda hora eu repito em aula, tem um sentido na frase, a reunião de palavras só visam ter um sentido, um significado , senão não importa.
Mas que diabo de significado é esse, se para mim é uma coisa e para outro, outra.
Eu cansei, cansei de colocar nomes masculinos no sentido que procuro.Meu sentido não tem nome masculino, na verdade ele não tem nome, porque ele não existe, ele é ele, ou melhor ele é ela e somente isso. Acabou essência, acabou a vida . É mesmo isso aqui, e ponto final. O bicho pode comer e se saciar com toda carne adiposa em excesso que tenho.
Mas o que fica? Nada. Talvez um retrato desbotado na parede, a lembrança de alguém durante um tempo, e depois nada. Quem lembra de minha bisavó hoje? Ninguém. Ninguém se lembra, mesmo daqueles que ainda fizeram alguma coisa pelo mundo, nem sempre são lembrados. Então qual a porra do sentido disso aqui.
Para o capitalista acumular riquezas, mas pra quem? para que? No corpo não tem riquezas anexadas, só se fizer como faraó, ser enterrado com tudo junto. E na mente? Que adianta tanta intelectualidade, tanto pensamento, se também isso se esvai, e nem precisamos morrer, o Alzheimer, come tudo e te entrega ao desconhecimento de todos e de tudo.
Então qual é o sentido, meu Deus ??? O senhor que está morto e que é lembrado por todos, porque simplesmente é o todos. Tá no meio, “eu”, não é outro, é eu mesmo. Deus não é o outro, é o eu.
Quando dizem o eu é o outro, é mesmo, mas o reflexo de nós que vemos no outro, e não o outro propriamente dito. O reflexo de nós mesmo no olho do outro, é isso que acalma o bebê. Ele se vê nos olhos da mãe .
E quando nos deparamos com um outro que nos atormenta ficamos atormentados com nós mesmos.
Não sabemos quem somos ou o que queremos. Também como saber com tantas opções.
Vivemos o século das opções e não sabemos escolher , eu não sei escolher, não sei decidir. Porque simplesmente não vejo a porra do sentido em ter que escolher, já que o sentido é ela mesma. Escolher ou não, tanto faz, não saímos dela(vida). Então porque cobrar a escolha.
Eu não tenho que decidir nada, ou tenho?
Saber o que eu quero para mim, isso importa tanto assim? Sabendo ou não, continuo vivendo. Não vou morrer por isso.
O problema está exatamente na bosta da consciência disso.
Talvez fosse tão melhor ser um lavrador, analfabeto, e arar a terra fazendo como seu avô fazia, e esquecer que existem os espaços entre cada veio de plantação, o verso.
Falo isso tudo, e nem sei se alguém vai entender o que falo . Mas que importa, ninguém vai ler mesmo,nem eu.
Esse monte de gente que fala e escreve: filósofos, estudiosos, teóricos, críticos falam pra burro e quem os lê, seus pares, às vezes. E falam, podem falar. E o povo na Universidade fica de queixo caído, aplaude. Tem coisa que não entendemos nada. São piores do que eu na minha crise de existência quando escrevo, mas tão lá, se conquistam um nome, ficam tempos, até o modismo passar.
Não é que eu queira isso, pois acho tudo que escrevo um grande bosta, Porque fui adestrada para isso. Bons são eles, bom é ele. Mas o que ele diz de diferente dos outros.
No fundo, todos dizemos o que pensamos, alguns mais, outros menos, dentro da ordem do discurso. E quem tá na ordem presta, quem não ta, não presta, sofre preconceito, rejeição. Quem faz o tipo, é bom, quem não faz, não presta.
Sempre são esses modelos pré-configurados pela época. Entretanto, tem alguns tipos que querem ser o oposto do modelo, ora, se é o oposto de algo continua estando dentro do discurso.
Mas, e a porra do sentido de tudo isso? Não tem. Vida é vida, aqui ou na Indochina , hoje cada vez mais igual em todos os lugares. Com os mesmos acessos. Alguém no Himalaia, pode estar agora escrevendo o mesmo que eu, sentido o mesmo que eu, - que tudo não passa de nada.
Que vida não tem nome masculino, que nós somos Sísifos na nossa jornada em busca do que não sabemos. Quando achamos que encontramos algo, ele escorre, se desmaterializa, se fragmenta, desterritorializa de nós, passa ocupar um outro lugar. E temos que começar de novo. E de novo, de novo , de novo.... sempre.
Alguém pode me dizer se isso tem sentido??? Porque não quero procurar durante toda existência.



Ele e o sofá branco
6/7/2009
Depois do gozo sentado no sofá branco, mão no queixo,o homem nu toca seu membro encoberto por uma camisinha cheia de esperma.
Sua cabeça parada, seus olhos fechados saboreiam o desdobramento da intensidade do primeiro gozo. Ao seu lado, no mesmo sofá a mulher o observa, ele desconhece o olhar dela. Sabe que ela está ao lado, mas por um momento dispersivo se esquece.
Ela o fita, ri consigo sem ser observada por ele. Quando ele se dá conta, quando sente, já está na hora de se levantar, percebe que ela o olha e pergunta. Ela diz que o olhava apenas e ri. Ele não sabe o que fazer quando é observado.
Talvez sempre fosse assim. Talvez sinta um desconforto ao ser olhado por outro. Não lhe pertence o prazer do vouyer . Não compactua com o jogo do olhar e ser olhado. Não olha porque não sabe o que pode criar a expectativa do seu olhar e não se deixa ser olhado porque pode ter suas entranhas desvendadas, sem que queira, pelo olhar alheio.
Olhar é jogo, olhar exige cumplicidade. Talvez se excite com alguma revista pornográfica no momento do prazer solitário, mas nesse momento ninguém o vê, nem ele mesmo. Concentra seu foco na sensação e esta certamente não pertence,para ele, ao seu campo do olhar. Olhar o gozo da mulher que toca é impensável . Talvez ocorra, mas por distração e não por desejo ou vontade de olha-la ceder aos seus toques, até porque, é indiferente a ela. Não a toca porque deseja, mas pelo fato de que necessita tocá-la para ser tocado. Por isso não faz questão de ver o corpo convulsionado do prazer dela. Nem mesmo do seu. Sabe que seu membro cresce, enrubesce, enrijece, mas não o olha assim. Talvez se olha-lo, ele diga-lhe alguma coisa, que não quer ouvir, então melhor não olhar. Olha sempre para fora de si porque tem certeza de tudo que quer e jamais questiona suas teses pré-estabelecidas . Não admite mudança, não admite pressão, reclamação ou quereres dos outros. Sua mulher tem que querer o que ele quer, tem que fazer o que ele determina, tem que ter o prazer igual e no mesmo lugar que ele. Se não for assim, ela se condena a vagar no espaço e no tempo em busca de outra forma, que ele não quer dar.
O que ele quer, ela sabe, e faz para agradá-lo, se disponibiliza para servi-lo, serve sempre a ele , se sujeita ao prazer dele, e abdica do seu que depende dele.
Talvez o maior prazer dele seja, não o prazer que ela lhe dá, mas o prazer que ele sente em negar a ela o que ela quer.
Pânico e paixão

Hora de acordar, a criança dorme. Saiu a pouco de dentro do útero e o dia todo só dorme com pequenas pausas para comer e deixar ao mundo os detritos da ação que executa. Só isso. Ao lado dela todo um exército de aparatos e preocupações, toda uma gama de emoções e sentimentos. Dores de perda e visões do futuro, medos e ilusões. Tudo parece tão bruto quando se olha o ser indefeso e sereno que ela é.
Horas e horas a dormir, a mergulhar no mundo de sonhos indecifráveis para ela e para todos. Na face muitas vezes aparece um riso, riso de anjo.
Entretanto, tem horas que o anjo se transforma, fica vermelho, abre a boca, berra,berra, berra alto. Em torno se estabelece o desespero, o medo interminável que aquele som provoca, a dor. Tudo é feito para ela parar de berrar e ela as vezes não pára. O berro a noite parece pior. Com a escuridão, com silêncio da rua, parece que o berro se torna mais forte . Ao redor daquele ser, o sono de quem cuida tem vontade de jogar pela janela, pensa , mas depois se tortura porque pensou o que pensou. Se pune amando mais, amando incondicionalmente, apaixonadamente. Jamais se arrepende, apenas quando o vermelho do berro irrompe furioso a marcar tempo espaço e o desespero. Mas no momento seguinte todo pavor se desconstrói e com um sono calmo e um sorriso de anjo a criança dorme.
Rio de Janeiro,15/2/2009

sábado, 27 de junho de 2009

novos e velhos escritos



Sentimentos desterritorializados


Na academia se estuda muito o conceito de desterritorialização, não me lembro bem se foi Deleuze , Guatari, Camus ou outro que começou a falar disso e também não me lembro onde foi. Fato é que parece que está todo mundo desterritorializado, coisa da pós-modernidade? Talvez. Uso o termo com uma acepção vulgar, de quem nunca passou por qualquer autor.
Existe uma desterritorialização dos sentimentos. Sentimentos fora do seu território original,criando novos tempos e espaços, novos sentidos e dimensões. Tem gente dando muita importância ao que não tem valor na existência e deixando passar a vida de jeito sem sentido. Tudo bem que a história do valor é pessoal, subjetiva.
O fato é que não temos como saber o que tem valor na vida e o que não tem. Mas há quem ache que saiba, acha que o seu próprio valor é o único que interessa, que todos deveriam tê-lo como modelo.
Voltando à academia é isso que parece acontecer. As pessoas se colocam numa redoma de tal maneira inviolável que nem se deixam penetrar pelas coisas da própria vida. Muitos se tornam verdadeiros sóciofóbicos , vivendo uma vida reclusa, longe de tudo e de todos, apenas no mundo das idéias e “se achando”.
Não sei o que deveria ser, sei que isso acontece, que já foi dramatizado pela arte inúmeras vezes e continua sendo. A dicotomia entre o viver e o escrever sobre a vida.
Uma vez eu disse que viver era o que fazíamos quando não estávamos escrevendo sobre a vida, ou sobre o que outros fazem da sua vida.
Vivermos de verdade, estarmos no mundo, sujeito às suas intempéries, não termos o famoso tempo para pensar sobre. Quando nos retiramos do dia-a-dia, quando nos enclausuramos na imagem, já clichê, da torre de marfim, aí sim, pensamos e traduzimos as mazelas do mundo. As que olhamos, e as que queremos olhar, porque não olhamos todas.
Nosso olhar é algo direcionado, sempre, vemos apenas o que queremos, para nos defender e proteger.
O homem vive num constante estado de auto-proteção. Já saímos das cavernas, já dominamos o meio ambiente, mas continuamos nos protegendo,todo tempo. Nossa necessidade de criar um escudo de defesa permanece. Sempre existirá um inimigo invisível e por isso inexistente, que nos ameaça constantemente. Seja ele o sistema, o patrão, o amor, a sociedade, o tempo, os animais. Tudo é ameaça.
Então lançamos toda nossa energia nesse mecanismo de auto-proteção, para não nos sentirmos violáveis . Queremos ser invioláveis.O medo é o maior dos sentimentos. É o que leva ao estado de estresse e que vai permitir criar a proteção, estar preparado,sempre a espreita.
E se por um momento perdemos essa concentração, aí lá se vai tudo, parece que seremos condenados ao limbo.
E nesse processo ficamos defensivos. Lembro–me do professor do filme do Visconte, Violência e paixão. O sempre defendido professor que num momento perto da morte se depara com uma desarrumação de sua vida, que lhe custará a quebra de seu mecanismo de defesa. A vida supera as expectativas, ela corrompe o estabelecido, ela desordena o que se supunha ordenado, ela bagunça tudo, ela se bagunça, para quebrar o que ficou cristalizado pelo tempo.
Mas do que adianta a bagunça se não conseguirmos dar a ela o seu lugar. Depois da bagunça constituída voltamos correndo aos antigos modelos e queremos logo restabelecer a ordem, a regra que foi violada. (setembro 2008)
Olhares bifurcados

Desde que li uma conto do Borges, que tinha a palavra bifurcação no título fiquei com ela na cabeça, sabia que algum dia , alguma hora escreveria algo em que tivesse a possibilidade de usa-la . Lembro que na época cheguei a escrever uma carta de amor para alguém que tinha comigo encontrado um jardim, mas cujo caminho tinha sido, por falta de coragem, bifurcado, e só retomado anos depois. Como já previa meu caro Álvaro de Campos tal carta era ridícula , tinha que ser, não caberia a ela outra qualidade a não o fato de ser ridícula, como foi ridículo o arrependimento de tê-la entregue em mãos, um minuto depois. Mas passou.
A bifurcação hoje é outra, e é admirável a separação que as pessoas fazem de certos compartimentos de vida. Eu separo tudo, meu cérebro fragmenta as situações, no que tange ao que chamo de resto. Mas já no compartimento emoções, sexo, amor, prazer, aí não há compartimentação, que dirá bifurcação.
Se a coisa acontece mais de uma vez, não tem jeito, já entrei no caminho tortuoso. Já imagino o que vai acontecer. Não me iludo. Quando se for, quando o caminho enfim , mais uma vez, se bifurcar, vai doer . Vou chorar. Vou sentir a falta, mesmo já sabendo que o contrato não previa cláusulas emocionais. Que o trato era de desapego e não envolvimento.
Acontece que saber as regras não nos priva de viola-las. Eu sei, mas nunca respeitei. Eu minto. Digo que respeito,mas não respeito. Eu que sempre me considerei verdadeira, hoje me esparramo de rir de mim mesma e mas ainda dele, que crê que eu respeito todas as regras. Não que o que eu diga seja mentira, não é. É a verdade que eu queria acreditar que fosse. A verdade que eu queria sentir.
A diferença entre sentir e querer sentir. Querer sentir o que deveria ser. Quero sentir que não me faz falta, mas faz. Quero sentir que não sinto saudade, mas sinto. Quero não pensar sempre, mas penso.Quero não pensar, que queria que ele pensasse.
Somos malucos, estranhos, temperamentais, temos idéias bifurcadas e vivemos o tempo todo defendendo os nossos discursos mentirosos de nós mesmos. (setembro 2008)



Ser Estranho

Eu não sou estranho.Tem muitas pessoas mais estranhas do que eu. Comparativamente, é natural que sempre achemos alguém que nos seja mais absurdo que nós mesmos.
Meu amigo de personalidade auto-destrutiva é muito mais estranho do que eu.
Aquela mulher que pinta os cabeços de azul é muito mais estranha que as outras que pintam o cabelo de castanho.
Essa relação de casal não é estranha, àquela do casal do apartamento ao lado é muito mais estranha.
Suas roupas são estranhas. Talvez porque sejam da estação passada ou porque não são minhas.
As idéias me parecem estranhas, os discursos me parecem estranhos, mas deve ser porque não são meus, peguei emprestado de alguns autores que li.




Reflexões


Pensar que depois que nascemos caminhamos necessariamente para a morte, não é nada novo. Novo talvez seja nesse contexto o fato de não conseguir dar conta de saber das
idéias daqueles que todos falam.
Se falam porque conhecem de verdade, muito bem, o problema é quando falam achando que sabem algo que não sabem.
A contradição largamente difundida entre o pensar e o viver, entre o escrever e o viver permanece. Quem escreve e cria não precisaria viver intensamente as coisas pois que sua capacidade de criar e observar vai além e ele se permite através dessas duas capacidades, fingir. Fingir tão bem, que chega a pensar que viveu aquilo que jamais viveu, parafraseando Pessoa.
Entretanto, não é tão simples assim. Quando se vive e escreve, a sensação que se tem é que o pensamento nos trai a cada letra que escrevemos. E temos a clareza de que as palavras jamais darão conta de tudo aquilo que sentimos. Talvez por isso quem viva intensamente não consiga escrever. E quem está um pouco mais paralisado é que dá conta desse universo.
O distanciamento para a escritura é fundamento do ato. Caso contrário tudo fica com um tom assim meio verde pálido, que não esboça nada de interessante.
Pode ser a maior besteira,mas tem formas de discurso que fazem com que essa besteira se torne algo interessante aos olhos do leitor. Isso sem contar o fato de que o leitor, hoje, quer ouvir ou ler o que ele já conhece mais ou menos.
Talvez seja esse o segredo do sucesso de alguns por aí.
Aí o escritor/codificador seja lá como se chame. Senta na sua cadeira e olha sua estante grande ou pequena,sempre um universo misterioso a ser desvendado, isso parece lugar comum. Um lugar a ser perscrutado, independentemente da estante de livros. Paul Auster fala em seu livro de uma estante de catálogos telefônicos. Parece besta, mas com imaginação rica, muito rica, o escritor senta em frente a essa estante e cria uma história para cada nome que aparece ao léu.
Mas desemboquei nesse assunto porque olhando a estante me dei conta de que não tive toda liberdade para ler o que quisesse ler.



Constatação

Sentada a frente da televisão vejo programas e corrijo provas. Que tédio a tarefa de corrigir aquilo que tentamos minimamente passar para quem não quer receber.
O programa interessa mais que as provas, talvez assim eu seja mais boazinha e esqueça que só estou ali intermediando o que meu padrão quer vender e as pessoas querem comprar, eu ali, de bucha. Certas horas a bucha fica completamente inchada, aí tem que espremer, espremer no ralo para sair todo ar, ou toda água e recomeçar.
Atiramos para todos os lados, e quem nos atirará a primeira pedra? precisamos sobreviver. Fácil é a posição de quem desconhece essa realidade e a condena, como se fosse fácil sobreviver em lugares privados como é em lugares públicos. Na verdade, no privado está todo o público, que não sabe porque está ali, que tem a ilusão de que vai alçar voo, talvez ,para quase o mesmo lugar, E nós ali de bucha. O canhão é imenso, poderoso, nos impõe metas, obrigações ardilosas, chatas, inúteis, e a bucha inchando.Lembro-me da máquina kafkiana da “Colônia penal”, parece que estamos nela, e cada dia nos é escrita uma nova sentença, que só complica nossa vida e diminui o que ganhamos. Até a hora de subsumirmos sem mais nenhuma possibilidade de reversão.
Nesse dia o que será que acontecerá? Sempre nos perguntamos, sempre tentamos olhar o papiro que contém a sentença mortal, mas não encontramos, só encontramos a que vai lentamente matando, pequenos escritos, pequenas picadas, para o sangue ir escorrendo aos poucos, causando dor, secando por dentro até o fim, que não é em 12 horas, mas em 30 anos. (Junho 2009)


domingo, 7 de junho de 2009

Reflexos


Entre o amor e a paixão

Demorei muito para perceber a diferença entre amar, amor e paixão. Na idade que tenho sempre busquei irremediavelmente a paixão. Aquele amor que me fizesse sair do chão, aquela coisa hollywodiana que estamos acostumados a ver em filme e novelas.
Entretanto, depois de um tempo vivendo isso que chamamos paixão, entrega profunda, adrenalina,medo de perder e mais um monte de coisas, tudo passa, talvez Cazuza,cantando Melodia tenha razão quando diz, que “coincidência é o amor”. Pois é, chego a conclusão de todos que falavam da diferença e estavam certos.
A paixão é boa mas não é plena, ela cega e nos faz refém, e isso nem sempre é bom, talvez por isso, está cientificamente comprovado, dura pouco. O tempo para que haja a procriação.
A sedução do começo de quando queremos algo que nos parece inatingível.
Entretanto, existem pessoas que não sabem viver o que vem depois da paixão, do estar apaixonado. E sempre quando o primeiro momento acaba elas acham que nada mais existe, e vão em busca de uma nova paixão.
Essas pessoas jamais amam de verdade, talvez nunca tenham amado e se deixado amar.
Elas vivem numa corda bamba, no fio da navalha . Elas acham que só existe amor se houver paixão, e isso não é verdade.
Não ficamos a vida toda apaixonados, é ilusão achar isso.
O amor é algo completamente diferente.
Eu achava que ambos tinham que caminhar juntos, porém agora vejo que é quase impossível essa caminhada concomitante durante muito tempo.
Durante muito tempo sofri sem saber o que fazer quando minhas relações chegavam àquele ponto em que não se tem mais paixão, mas se tem outras coisas, que eu não sabia o que eram.
Para identificar essas outras coisas é que era difícil ,já que vivemos numa sociedade onde as relações são tão consumíveis como um sorvete.
Nem sempre nos satisfazemos e quando a paixão , o momento da sedução primeira acaba, nos vemos sugestionados a dar um basta em tudo. Até porque tudo parece conspirar para isso.

Então ,quando aquela sensação me invadiu parece que olhei toda a minha vida com um outro foco. Descobri o quanto do meu tempo foi voltado para entender algo que não era da essência do amor, que eu parecia sentir pelos homens que tive.
Pensando refiz minha trajetória .Me sinto mais madura nessa fase da vida , sou uma balzaquiana, já casei, já separei, já tive muitos namorados, muitos amores e desilusões.
Esperava do amor exatamente aquilo que aprendemos nos filmes e novelas, esperava a paixão, estar sempre apaixonada e ter alguém apaixonado por mim era meu eterno ideal. Todas as relações começavam assim. Sempre da mesma maneira. Primeiro eu não querendo, depois eu me apaixonando, depois a coisa ficando morna e no fim ao me ver sozinha, eu de novo apaixonada pelo simples fato de ter terminado. Por causa do vazio que isso me causava. Ainda não entendi muito bem por que os términos sempre me levaram a uma dor profunda, e sempre me achava apaixonada pelo indivíduo, depois que ele se ia.
Tenho consciência disso hoje, por ser algo que não quero passar mais,busquei entender e entendi como acontece, mas não entendi o porque acontece, isso deixo para Freud ou qualquer outro desses que desvendam o inconsciente humano. Talvez um sentimento de rejeição ,não sei...
Mas não queria falar do que não entendi. Quero falar daquilo que me pareceu ser desvendado pela pessoa mais improvável. Não que a pessoa tenha desvendado para si, que ela tivesse entendido isso, pois acho que não entendeu, mas a sua fala fez com que eu entendesse, no meu íntimo, o que é o amor e o que é a paixão, a diferença dessas relações e como elas podem interferi na nossa felicidade e vida.
Vários autores dizem que a pessoa que amamos é nosso reflexo, não entendi muito bem isso, mas sei que admiramos no outro o que eles tem de nós mesmos , e isso me fez ver como fui a vida inteira e como acho que não sou mais.
Em uma relação o parceiro me disse que não era apaixonado por mim. Num primeiro momento isso me pareceu doloroso e alvo de uma provável suspensão do que vivíamos , entretanto, depois, pensando sobre o assunto, consegui ver uma outra face nessa história e que se relacionava a mim mesmo.
Coloquei-me numa outra situação e vi que pouco tempo da vida passamos apaixonados, que é algo tão esporádico, que dura tão pouco e é tão efervescente e ao mesmo tempo tão esquisito, não existe relação que viva uma paixão eterna, várias são as formas em que o amor se realiza sem ser apenas pelo campo da paixão.
Duas diferenças são básicas nesse sentido. Quando queremos conquistar alguém ou quando alguém nos conquista vivemos as vezes meses investidos daquele sentimento turbulento, porém quando essa turbulência acaba temos novas coisas para nos despertar na relação.
Se estamos dispostos a amar de verdade temos de ter consciência disso. O amor é algo construído quando queremos, a paixão é algo que nos arrebata mas que nos causa um vazio. O amor pode ter momentos de paixão, mas a paixão independe do amor.
A maturidade nos remete para o amor , remete a valores desconhecidos das coisas que vemos e temos e vivemos. Vemos nas pessoas coisas que na paixão éramos cegos para ver, e que no amor vemos e aceitamos, aí é que está nossa disponibilidade para aceitar o outro como ele é.
Hoje em dia, dado a fugacidade das coisas, ao consumismo, tendemos a ter nas relações o reflexo do consumo, não satisfez troca, sai em busca de outro, entretanto, não nos damos chances de construir e descobrir o amor com as pessoas.
Vamos sempre pulando de galho em galho, relações paralelas, que no fundo só nos deixam mais vazios . Isso é o que vejo em homens e mulheres. Não sou assim, por isso me acho anormal, diferente da maioria.
Não tenho medo do amor, pois isso tenho para dar e vender, mas tenho medo dos tipos de relações, talvez por já ter passado por algumas que eu não tenha entendido.
Ver meu parceiro hoje, me fez me ver, já estive apaixonada por ele , hoje acho que não mais ,porém não acho que isso seja um problema. O que quero é conhece-lo mais, é curtir estar com ele, é construir algo, dividir. Enfim, tudo que é bom, sem receio e com calma. Sei lá, parece que os valores mudaram de foco.
O que ontem, antes, no passado eu queria, não quero mais. Não é mais a paixão que me satisfaz, é outra coisa, somente agora já tendo passado por ela é que consigo ver isso, e me sinto feliz.
Me sinto plena por ter descoberto essa diferença. E ele me fez ver esse fato. Sem querer ele me descortinou algo que há muito me fazia sofrer, acho que toda a minha vida, algo que me fazia suspeitar das minhas relações, que me colocava em cheque, algo que fazia com que eu questionasse e achasse que me davam menos do que eu merecia. Toda a expectativa que eu colocava sobre os parceiros que me envolvia.
Acho que ele não sabe dessa diferença, que me fez ver, busca incessantemente a paixão, as bocas e corpos diversos, muitos sem muito significado. Ele, pelo que vejo, não sabe ainda seu caminho, não sabe que o caminho é o importante, que a sua construção é que importa, seus tijolos e a massa com que eles serão colados. Ele não vê isso ainda, talvez seja ainda imaturo, talvez não tenha vivido o suficiente, ou não se tenha permitido levantar as paredes. Vive a catar tijolos sem buscar massa para cola-los, um sobre o outro. Vive buscando a paixão.
Catando um tijolo aqui, outro acolá, eles são largados no tempo sem nada, e isso faz com que os tijolos apodreçam, e cada vez ele tem que catar novos tijolos para um dia preencher sua parede.
Mas ele não sabe que tem que alicerçar as paredes antes de colocar o tijolo e a massa, o alicerce é o amor, a convivência, não é a paixão. A paixão serve para uma busca preliminar e não para levantar as paredes.
Acho com essa descoberta entendo melhor o que tem se passado na cabeça da grande maioria da pessoas.
Todos querem o imediatismo e nada que dê trabalho ou preocupação, nada que precise regar, nada que implique responsabilidade.
Aí surge uma outra coisa que também é comum nos nossos dias, por não se permitir amar, as pessoas também não sabem ser amadas.
Mas o que é saber ser amado? Essa é uma questão que ainda não está clara. Penso que passa pelo fato de a pessoa se sentir culpada porque a outra o ama . Como se dependesse dela o amor do outro. Aí as pessoas fazem coisas para poder afastar de si aquele ser que a ama.
É como se ela jogasse contra ela mesma.
Não existe quem não se sinta bem em ser amado, mas muitos relutam.
Como saber da cabeça do ser humano. Cada dia pior, cada dia querendo mais, e estando mais só.
Me basta escrever para deixar alguém ler e talvez se identificar.
Rio de Janeiro, 5/1/2006


Novos Contos da cidade

No Castelinho da Garibaldi


Passava das 18 horas quando o bonde que fazia a direção Usina parou em frente ao castelinho da Garibaldi e de dentro saiu um dama antiga. Vestido preto discreto comprido até os joelhos, bolsa pendurada nos ombros, óculos também escuros, nos pés um Chanel preto de salto alto com meias fumê..
Parecia assustada, mas isso não a intimidava no andar. Saltou, esperou o bonde passar, e entrou no castelinho sem nem mesmo tocar a campainha.
Será que ela morava lá? Há muito ninguém mais entrava naquele lugar, quanto mais a essa hora do dia, cinco da tarde. O local parecia abandonado, sem luzes a noite, sem jardins arrumados, sem cores de castelo, diziam os do local que ali tinha ocorrido uma tragédia, as pessoas sempre ficavam a olhar um prédio tão lindo a ser destruído pelo tempo.
Mas naquele dia, as 5 da tarde, algo havia acontecido. Eu estava parado, na esquina da rua quando aquela mulher misteriosa saltou do bonde.
Aquilo atiçou minha curiosidade e espanto. Fiquei a imaginar, o que ela faria ali dentro, se teria alguém que nunca saía, um ser decrépito, misterioso, que tinha sobrevivido ao trágico infortúnio de sua existência .
A hora foi passando e eu não conseguia sair daquele lugar, aquela esquina onde me encontrava, minha mente se enchia com as histórias que eu criava e imaginava estarem acontecendo lá dentro.Estava no meu íntimo esperando que ela saísse para que eu adivinhasse pelos seus passos e seus olhos o que teria acontecido .
Uma hora, duas horas , três horas, quando deu 8 da noite de novo o portão se abriu, ela saiu como entrou, silenciosamente, na sua face não tinha lugar para ansiedade, sentia de longe que estava mais tranqüila do que quando entrou,as 5 horas.
Ela atravessou a rua, eu de longe a olhava, parou no ponto e logo o bonde das 8 chegou. Ela tomou o bonde, sentou-se na terceira fileira, cruzou as pernas como quem se acomoda para o tempo passar, os óculos escuros não estavam mas no seu rosto, o apito soou. O bonde saiu. E eu ali embevecido, sem saber quem era, se era, acordei, já era hora do jantar.

16/05/2009.


Cotidiano de uma tragédia

Naquele dia bonde atrasou. A fila grande dobrava a esquina e criava ansiedade nos que chegavam. Seis da tarde, barulho de rush, todos os ônibus lotados,inferno atravessar a cidade a essa hora. E fila aumentava cada minuto e nada do bonde.
De repente a chuva começa, pessoas espremiam-se sob uma marquise descascada , onde se via o ferro da laje . A chuva fica mais forte e num piscar de olhos a multidão se desespera. Pessoas correndo para todos os lados, mulheres gritando, crianças berrando, homens atordoados sem saber o que fazer. A sirene dos bombeiros soa forte, homens de macacão afastam as pessoas e começam a levantar os pedaços de laje.
A frente uma criança chora, a mãe está embaixo e ela sozinha não tem para quem correr. A marquise tinha caído. Não tinha mais o que fazer. Os bombeiros acodem como podem, a ambulância chega,a mulher é retirada dos escombros e a criança corre em sua direção. Mãe e filha se abraçam, a vida parece que ressurge.

Cidade sem memória.


Passava das 5 horas da tarde de quinta feira quando enfim a noticia da morte havia chegado à pequena cidade. O calor era intenso, mês de janeiro, e o verão castigava o solo de pedra e seus habitantes bronzeados. Todos na localidade conheciam aquela saga vivida por um homem e uma mulher em busca da vida e do romance. Porém, não era mais uma história de amor, ligada dramas shakespearianos da proibição, mas uma história de vida de rejeições e sentimentos perturbados.
Eram os personagens, indivíduos comuns, que buscavam apenas sobreviver, e registravam onde passavam seus descontentamentos e seus questionamentos, suas agonias, ansiedades e dores. Porém, tudo chegara ao fim, ou ao começo, já que não ninguém, sabe bem de onde vem nem para onde vai.
Começou numa hora improvável, inúmeras pessoas num mesmo local, com objetivos idênticos, matar o calor que sobre suas cabeças imperava. Foi assim que se conheceram. Ninguém dizia que aquela mulher que acabara de se encarregar de seu amor poderia estar ali selando sua passagem para um outro espaço e uma outra forma de ver a vida. Ele, por sua vez, jamais suporia ter em sua existência algo tão desafiador, nem mesmo olhava-a nos olhos pois tinha receio do reconhecimento trazer-lhe lembranças fugidias que preferia esquecer.
Mesmo assim, o encontro se deu, depois do primeiro, um novo encontro, mais outro e outro, num total de 51 vezes. Toda a coisa parecia confluir, eram conversas, realizações, medos, angústias e planos que os envolviam . Porém algo de estranho estava no ar. Algo como um medo inerente ao próprio ser, se encarregava de não deixa-los viver. Não se permitiam questionar o que era aquilo, mas o incômodo permanecia. Vinham de vivências outras e aquele momento talvez ainda não fosse o certo, mas como tudo, foi se arrastando. Em meio às 51 vezes a intensidade era enorme, buscavam em prazeres mútuos compensar aquilo que não sabiam existir. Aos poucos a necessidade foi surgindo, a dificuldade primeira em abrir a flor foi, depois de um tempo, tida como lenda e em inúmeras paisagens flores e galhos comungaram de grande êxtase nos jardins, que no principio pareciam não ter força suficiente para fazer brotar orquídeas e tinhorões.
O tempo foi passando até que se soube por toda cidade que uma febre estava por chegar com os ventos vindo de uma quarentena, em lugarejo visinho.
Os habitantes se preocuparam, não sabiam os efeitos do mal, e desconheciam os sintomas, além do mais, o preconceito contra os doentes era algo arraigado sem suas mentes.
Sem pedir licença o mal foi se chegando e sendo transmitido, de pessoa para pessoa, e os sintomas foram se agravando. Mas era um mal tão sorrateiro que não deixava que os atacados se apercebessem dos seus estragos, primeiro ele causava uma enorme ansiedade, não se sabia de que, depois uma tristeza profunda, seguida de uma inércia parecida com a trazida pelo calor, seguindo nos sintomas, aparecia o que se chamava de ausência, homens, mulheres e crianças não sabiam,simplesmente não sabiam, seja lá o que fosse, qualquer pergunta os atirava ao poço, não conseguiam saber nada, queixavam-se de tudo e tendiam a dizer que nada sentiam e a fugir de quem os colocasse a prova para ver se tinham o mal.E por fim, o auge dos sintomas, o não reconhecimento de si e do que sentiam.
A febre foi de grande estrago na cidade, isso porque, ao serem acometidos os indivíduos não se reconheciam e julgavam que não eram o que eram, não sentiam o que sentiam, uma enorme confusão entre o ser e o não ser, o gostar e o não gostar, o ter e o não ter, ninguém mais se entendia, filhos não conheciam mais os pais, mães não sabiam quem eram seus filhos, nem o que sentiam por eles, casais não se viam mais como tal, pois que o mal camuflava seus sentimentos e os confundia diante das reações vitais.
Ninguém mais levava vida normal, os trabalhos eram burlados, os estudos largados e até mesmo as fornicações deixaram de existir na cidade pois os sintomas deixados pelo mal, inibia os instintos mais animais dos seres humanos, o sexo e a procriação.
Em meio a essa catástrofe aquele homem e aquela mulher não ficariam imunes, marcados como todo o resto da cidade, também eles se desconheceram quando o mal se instalou. Vinham de uma série de encontros, mas quando a febre chegou, no momento seguinte eles não mais sentiam seus instintos básicos e a confusão que se dava no resto, também com eles se deu, não sabiam mais quem eram, nem o que os envolvia, não sabiam mais nada. Dessa forma, os encontros cessaram com a sensação de terem sidos interrompidos numa hora que não era, e por uma causa que não era deles, mas de fora.
O mal progrediu, afetando mais gente do que as autoridades supunham e deixando a cidade perdida , desmemoriada .

A conversa

Depois de uma simples conversa de prática religiosa pelo Msn, pois não se tem coragem de faze-lo em viva voz, o personagem solta uma pérol...