domingo, 4 de abril de 2010

Viagem pela poesia em prosa II

Rio, 29\03\2010
TRANSPIRAÇÃO
Quanta dificuldade para escrever. Sem diário escrito à tinta fico perambulando por pensamentos ignotos todo tempo e jamais paro para escrever o que penso.
Escrever exige disciplina, concentração, reverberação, ecos dentro de mim, que me ativem os contrastes de tudo comigo. É necessidade cada dia mais camuflada, para que quando decida escrever de verdade, me boicote e nada de mim surja. Crise de representação, desvios ocultos da mente dissimuladora.
Talvez eu queira nascer uma escritora, com obra prima em um único texto. Doce engodo, meu senso crítico jamais me deixará em paz. Odeio e amo o que escrevo. Cravo de balas as metáforas de minha vida, prego-as com bala de alto calibre numa parede onde podem ficar presas incomunicáveis.
Não mostro para ninguém, nem para mim em sóbria passagem por meus textos.
Já não tenho vontade de explicar, um pouco ainda tenho de entender, embora saiba que a tentativa é inutil.
Tudo é inutil, roubaram-me o desejo do ser, deixaram-me apenas o desejo incompreensível da incompletude rotineira.
Não sei como conviver com isso e apenas talvez saiba o que é isso, pois estive sempre em seu colo conspurcado.
Uso palavras que não sei o que são, que flutuam no meu pensamento sem lógica.
Poesia podia ser a melhor opção, mas não sei criar imagens que não vi.

HISTÓRIAS

Devo iniciar uma nova\velha história, todas as histórias são velhas, todas já foram contadas por alguém.Nada posso inventar que me tire da prostração da não criação.
Viagens, amores, trabalhos nada mais banal para poder criar. Talvez a morte me surta algum efeito, ou quem sabe a vida. Tanto faz, são faces da mesma moeda da existência perdulária sobre a terra. Qual ficará, a ideia ou a moeda. Mais provável que seja a segunda.
Não sei para quem escrevo, quem leria esse universo caosmótico da minha cabeça deturpada.
Dei agora para pensar pensamentos de palavras, digo à Alice, livro de palavras é o que temos. Nem sempre são de ideias.
As vezes são palavras com ideias, outras, palavras que dizem imagens, outras ainda palavras sem explicação, ou ainda só explicação de algo inexplicável.
Cavuco o pensamento para me dar o deleite, o azeite, o descompromisso com o entendimento de mim, da vida.
A bateria que movimenta acaba, tudo é quente entre as coxas úmidas. Tem que mudar, ligar na tomada para continuar o trabalho.
Tudo parece fragmento, lendo assim é até erótico,nada se casa ou se separa perenemente para justificar uma vida independente.
Quero falar-lhe, escrever-lhe, incomodá-lhe, não é bem isso. Não sei de fato o que é. Talvez nunca saiba e me questiono, para que saber?
Se já sei o que não é, para que saber o que é.
Sou o próprio universo fagocitado pela história que nunca existiu.

LEITURA INDOMADA
Ler você nos últimos tempos foi fundametal, não que tivesse lido o que melhor você fez, nem automóvel, nem maravilhoso, nem lei, nem fé, ou miscigenação. Ler simplesmente o que talvez seja renegado, o arroubo da juventude, a ficção, aquilo que lê a morte como forma de permanencia inevitável da história.
Re-ler você, ainda no mesmo e único livro que tenho foi inexorável, para que sem máscara pudesse entender na sua língua a sua forma de existir. Espantei-me em ver a presença de Enrique. Quem foi Enrique? Como saber? Inventa Enrique, como qualquer um, sem saber que se inventa ou pensa se inventar.
De quem era a presença, o deus que vira monstro, o non sense do oprimido seduzido, que se deixou seduzir para também seduzir.
Parece que nunca finda esse discurso fora da ordem, esse discurso da não regra, do lugar indevido, da falta de interesse. Para que isso? Deslocar letras e espaços em busca do nada. Deslocamentos em vão, criações em vão, mas é no vão, na versura, no entre um verso e outro, que posso talvez encontrar o caminho que leve a linearidade inexistente.
Ao longe, Hey Jude na gaita, é uma hora da madrugada, que universo conspirador,logo essa. Adoro Beatles!!
Acho que nasci quando a utopia tinha terminado, aí ficou o gosto indecifrável de algo que não conheci. O tempo foi desconexo, quando teclaram "enter" para baixar, já tinha passado da hora. Você já tinha tomado o bonde que levava para garagem e eu perdi . Fiquei no ponto parada, meio sem saber o que fazer.
Não que bonde garantisse parar naquele ponto que eu estava, não tinha qualquer garantia, até porque bonde que quer ir para garagem não pega passageiro no meio do caminho, é norma. A não ser que o motorneiro queira se arriscar a dar uma carona, que pode ser prazeirosa. Mas só depende dele. É querer ir além de suas próprias normas internas de constituição dos sistemas de defesa e de chatisse. É querer brincar com a vida , antes de pendurar as chuteiras, e tirar a dentadura para colocar no copo com água.
Eu esperava carona, ao mesmo tempo que tinha a sensação de que seria muito dificil.O rigor, o veneno do escorpião são feitos para não dar ar e asfixiar qualquer movimento da presa.
Todavia, eu tenho um pulmão a mais. Minha imaginação tem garrafas de oxigênio reserva ,que não sei quando acabam.

ESCRITURA

Todo dia eu quero te escrever, mas procuro sempre dissimular meu desejo e passar o dia e a noite e não fazê-lo.
Por que isso?vontade e dissimulação, eu não sei responder. Talvez porque respeite demais certas regras. Eu não penso em te ligar jamais. Não aguentaria ver você tenso ao escutar a minha voz sem saber o que fazer,como se o fato de eu ligar fosse o mais improvável dos fatos. O que não seria, se eu não o fizesse assim.
Mas escrevo, não sei porque. Também nada mandei para você. Acho que você ficou muito assustado. Talvez com receio de ser um personagem. Mas você tem tudo para se-lo. Esse jeito ... essa fala, essa pele, todos os avessos,todas as medidas e limites, e formas de censura e controle seu e do outro são de um surrealismo absurdo, que ao invés de afastar aproxima, pelo desejo de ultrapassar, apenas. Queda de braços, quem podia mais? Você venceu, sua maturidade de vida e imaturidade emocional te fizeram sair antes do jogo terminar. Era um jogo, perigoso,mas jogo, e quem desiste,não ganha. A sensação é de saudade do que não pode ser vivido e sentido,porque você não deixou. 29\03\2010

Viagem pela poesia em prosa

DEZ LINHAS 1/3/2010
10 linhas, nada mais que 10 linhas.
Minha paixão antivolúvel não se sustenta por mais de 10 linhas.
Ela me secou,
Não tenho lágrimas para chorar sua partida covarde pela porta dos fundos,
pelo fio do telefone celular.
Te escrevo do campo do absurdo literário.
Um Deus que se transforma em monstro, pela onipotência recolhida dos objetos de saber.
Uso suas palavras para te ler e entender, por que?
Você cruelmente se cala.
Sem sentido, se oprime para não sentir, nem pena.
Recusa-se entender a insistência.
Foge para não ver a dor que provoca.
Se clausura para não ter desilusão.
E se perde, porque não pode se achar.
Desconhce a dor, o amor, a compaixão.
Não permite o amor, nem por você mesmo.
Narciso sem riacho, homem sem espelho.
Sem tempo para permitir vida fora do papel.
Seu universo é verbo-escrito-atemporal, sem expectativas.
Para te ler, não posso te escutar, tenho que te inventar,
objeto frágil de mente corrompida pela perversão do não.

IMAGEM
Talvez por muito tempo sua imagem persista em me atormentar.
Ainda não joguei fora sua foto, não tive coragem.
Ela habita o espaço virtual de meu telefone celular, nada mais.
Eu ligo a imagem achando que ela é você, que nunca existiu de verdade para mim.
Invento a história que eu não queria que fosse.
Escrevo a história que eu queria que fosse.
Não importa, na vida é tudo mesmo invenção.
A invenção de que você exitiu,mas não era de carne e sangue.
Era feito de gelo, que não derretia.
Era gelado, não de gelo que com a boca quente desliza em forma de água,
mas gelado de lâmina, que além de fria corta.
Corta sonhos, corta desejos e ilusões.
A máquina perfeita para desafeto, dessabor, despaixão,destudo.



DESCONEXO
Meu desconexo sentido não monta algo linear, nem inteiro.
Escrevo em prosa versejante, poema em prosa, livro de palavra.
Descubro a imagem do nada que me tortura de saudade.
O branco da pele, gosto do tato, a frieza comedida, medrosa, inderme.
Estranho- indivíduo que não se permite conhecer.
Estranheza- sensação que se tem quando o estranho se apresenta para você.
Estrangeiro- aquele que não quer fazer parte do seu dia-a -dia.
Estrabico- o que vê você pelo lado que não queria.



CAVALO DOIDO

Pensamentos são seres indomáveis , quem diz que doma esse cavalo doido que habita dentro de nós certamente é mais doido do que o próprio cavalo doido.
Ser indócil, irreverente, que assola o ânimo e perturba a mente já alvoroçada na noite, no dia, na manhã,na tarde.
Andava eu a noite pelas curvas do alto, o visual era o vazio, as curvas se multiplicavam e sem carros ficavam ainda mais curvas. O asfalto misturava-se a bruma que a chuva deixava. Não era tarde, mas a sensação deixada era de completo isolamento do mundo. Estranhamente, entrei naquele torpor que a floresta causava. Sentimentos de não pertencimento, não conexão, desconexão, treva sem luz, com luz, derradeiro cheiro de enxofre. Caminhos que não levam a paz.
Uma imagem de floresta me corrompe, uma casa na floresta, um ser florestal que não gosta do canto dos pássaros,nem dos insetos, que se julga uma máquina, que não se importa em não ser amado.
Que ser cruel é esse? Um estrangeiro em nosso mundo tão passageiro. Ele não quer estar, não quer ficar , só quer ir, e indo foi quando quis.



COMPREENSÃO- 22-02-2010
Por mim não pararia mais de tentar converter em loucas palavras as imagens do que me acompanha. Desterro, exílio, ostracismo, asilo,abandonar-se, livrar-se, essas palavras não me pertencem, são dele, do Estrangeiro.


ESTRANGEIRO

Acho que o resto da vida o Estrangeiro será o meu personagem. Ele não sabe ainda disso, e abominará a minha escolha. Mas eu não tenho culpa, não somos nós que escolhemos os personagens , eles nos escolhem, eu não tenho qualquer autoridade sobre ele, eu bem queria que ele morresse,para me livrar de suas possibiilidades de pensamento, mas eu não mando nisso, ninguém manda, nem mesmo ele controla sua própria existencia tumultuada.
Eu apenas , o que faço é refletir como um espelho bisotado, as imagens distorcidas por minha retina já fatigada de incompreeensões.


FORMA E GÊNERO

Eu não faço poesia, porque não sei fazer. Faço prosa, invento um gênero.Misturo carta com diário e imagem com desejo e fica tudo meio banhado numa tijela com leite condensado ralo, aquilo tudo fica alí boiando sem muito sentido ou razão. Eu não gosto da razão, porque ela me faz ver o que eu não quero, ela me doi onde eu só quero o prazer, ela não alivia quando eu quero colo.
Eu devia aprender a fazer poesia, e de uma vez por todas me livrar da razão e dos sentidos obsoletos que tentam dar à vida, e que certas pessoas se impõem quando estão diante de outras.



SURREALISMO

Talvez eu agora me abrigue nos braços do surreal. Ele me permite a escrita automática, o nexo bidimensional, a história por inventar, o fato inexistente, o amor sem afeto, o desejo incontido, a poesia dislexa, a cor do sangue, a água em gás, o medo do futuro, a ogeriza do passado, o ar sem perfume,o suor doce, o beijo sem língua, a chupada sem saliva, seca, morna e ardente, o último tango que leva a morte e traz a vida.



PESSOANDO

Não queria que esse personagem ficasse abstratamente rondando- me. Eu não posso mais ficar a dispor dele para desvendá-lo. Não cabe mais a mim esse papel, ele mesmo já disse. Jogue tudo fora, tudo que foi escrito, dito, vivido e principalmente imaginado.
O imaginado no fundo é o pior de todos. Aquilo que foi dito, escrito ,vivido, pelo menos tem uma existência real, dá para interpretar, falar com outras pessoas, tentar ver o que alguém, além de você, diz . Mas o imaginado, não tem possibilidades concretas, ele vive só no campo fecundo da invenção, ele possibilita o tudo e representa o nada. É a coisa paradoxal que já existiu. Parece mesmo aquela história da pessoa que teme a expectativa do outro, que tem medo da expectativa do outro sobre ele . Quando na verdade o que existe é a expectativa dele mesmo. O outro não está nem aí.
Mas o que acontece é que o outro muitas vezes brinca de fingir, e finge tão bem, que chega a acreditar no seu próprio fingimento. Quase pessoano, porém mais dolorido, quando a realidade se impõe e a falta se faz presente.
Poeta, fingidor, professor, fungidor, homem, fungidor, mulher, fingidor, amor finge-dor, dor de verdade, falta de verdade, ilusão de verdade. Vida- movimento de quem está esperando que algo aconteça antes de morrer.

A conversa

Depois de uma simples conversa de prática religiosa pelo Msn, pois não se tem coragem de faze-lo em viva voz, o personagem solta uma pérol...