segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Série Intertextual

Barata Vespertina

Eram 7 horas da manhã de sexta feira, dia que todo mundo espera para no seu fim brindar a semana.
Desce o carro preto pelo Rio Comprido e pára no sinal da Paulo de Frontim. Atravessando sob o chuvisco que caía uma enorme barata.
Para qualquer uma que estivesse ao volante aquilo seria motivo de histeria.Porque barata é assim, ou provoca ataques de pelanca ou uma grande investida no interior de quem olha. Grandes pensamentos são feitos através da barata, esse ser pré-histórico, ancestral que vive desde o tempo das cavernas e que sobrevive até a radioatividade. Se o mundo acabasse na época da Guerra Fria somente elas ficariam para contar a história de uma civilização que sucumbiu aos sistemas econômicos, que no final eram os dois a mesma coisa.
Ela era marrom, como aquelas que aparecem em dia quente voando pela nossa janela. No entanto, não voava, tinha sido quase atropelada por uma bicicleta que anteriormente passava pelo canto direito da rua, quando o sinal ainda estava aberto para os carros.
Disciplinada e calma sem que seus sensores detectassem gente por muito perto, ela atravessava, os carros esperavam o sinal abrir para seguir.
Fiquei olhando-a, passiva e distante. Ela chegou ao lado esquerdo, meio fio da rua onde eu estava, vi que tinha ficado contente pelo espaço percorrido. O sinal abriu, eu segui . 4/12/2009.
O processo

Mais uma vez a denúncia foi feita, diante disso só resta apurar, verificar se as provas feitas condizem com todo resto para depois ter um julgamento. O crime é o de sempre, erro na escolha do personagem, dolo no envolvimento, achando que ele ia mudar, ilusão em não ver o que as coisas são,ou visão deturpada pela fantasia do amor.
O processo é longo, várias medidas interlocutórias, vários recursos, vários advogados contra, todos advogam contra o desejo ,até mesmo o objeto desejado, que sumiu, não tem endereço fixo, não dá para ser citado. A ré fica sozinha, ela e sua loucura de imaginar que algo poderia ser diferente do que foi.
Cada dia de audiência uma pergunta diferente, um depoimento novo, questões que nunca vieram a tona. O que se escreve é diverso do que se fala. Parece que a ré tem dupla personalidade, escreve na dor tentando elaborá-la, racionalizá-la, mas tudo é em vão, com mil desdobramentos a dor permanece. Está fadada a ficar até que seja substituída por outra.
A ré tem momentos insanos, tem horas que não sabe quem ela é, se é ela ou outra. Se auto-flagela por ter cedido, por ter investido. Tem os olhos fixos, tem a face triste, e a tez escura nos cantos dos olhos de tanto chorar.
Chorar não adianta, arrepender-se também não, o tempo não volta para desfazer o crime.
Sente culpa, muita culpa por ter investido em algo que sabia errado. Desde sempre foi assim, era errado pelo impedimento do casamento, depois foi errado pelo impedimento psicológico. Mas a ré, teimosa, achou que conseguiria separar, como o desejado, todas as partes. Não conseguiu. E ainda foi agravado o crime pelo fato da ré dizer ao desejado que o desejava. Desejados não podem ser informados da verdade, devem adormecer na ingenuidade da criança ou do intelectual diante da vida. No entanto, a ré o avisou, por isso foi denunciada e também por isso sofrerá a sanção.
Por ser reincidente e já ter vivido muito a ré pode, nesse caso, ter alguns benefícios, como por exemplo, a pena pode ser cumprida em menos tempo, mas isso é beneficio que não depende dela, mas da vida.
O juiz julga: pena de reclusão, regime fechado, luto, dor com torturas psicológicas,dor pela falta de esperança, em saber que jamais será como imaginou. Frustração, a maior de todas. Tudo é o que parece ser, nada é diferente. A imagem que o desejado faz de si mesmo é a que ele revela em todos os tempos, só acontece diferente nos filmes e nos livros. A literatura e o cinema inventaram o final feliz, aos mortais cabe viver o final infeliz.


Telefonar

Ligar ou não ligar? Eis a questão. Uma questão que se subdivide em itens que não compreendo,mesmo que queira. O medo me acossa o espírito e me sinto um mosquito que não tem paradeiro depois do inseticida. Atordoada, alienada, obcecada por uma questão que não tem resposta se não em mim mesmo. Para que?
Ligar para ouvir que não há mais, que não existe mais, que passou, que foi ilusão. Qual pensamento que pode prever qualquer realidade. Não sei. Mentir seria a solução, mas não escolhi essa alternativa, por isso a angústia me invade, finjo que sou quem não sou e reescrevo o que sou. Ser ou não ser? Eis a questão!



Não é a Biblioteca de babel

Meu primeiro livro traz a tona um questionamento antigo, se a realidade é linguagem, nós sempre estamos vivendo de literatura? Para mim parece que sim, ao inventar meu personagem a confusão que aparece é se tenho o que vivi ou se invento o que vivi. Os fatos são reais, sempre, o que nunca é real são as interpretações que temos deles. Cada dia que lemos nossa vida e nossos diários entramos nos hipertextos diversos que eles propõem , que são nossos próprios parênteses das coisas que vivemos. Ao entrar nesse simulacro da escrita, não conseguimos voltar, a vida e a literatura se misturam de uma tal maneira que não sabemos mais o que foi e o que não foi.
Todavia, seja vida ou literatura a dor lá está, a velhice, a doença, as perversões, as tristezas e alegrias também, todavia essas menos criativas que as outras.
Expulsar o que me incomoda pode ser a razão disso tudo. Criar um outro mundo também.
Parece fácil criar uma história que nunca existiu, mas nada é mais complexo porque falta referencial. Só criamos com o que ouvimos dizer, com o que lemos, com o que pensamos que vivemos. Só assim, com base nisso tudo é que nos predispomos a falar.
E quando falamos, é de nós é dos outros que também falamos.



Personagem

Compor um personagem não é fácil. É preciso que o conheçamos primeiro para depois falar dele. Ele deve um existência em nós mesmos para depois criar vida. Deve ter um que de misticismo, um que de desconhecimento também. Deve jogar tênis, e ser enigmático. Tem que se deixar penetrar e ser intangível ao mesmo tempo. Tem que gostar de livros e amar as mulheres, mas também judiar delas. Deve ser egoísta, se sentir o máximo e se sentir um merda. Deve lembrar os personagens do Canetti, e ser rude como os de Borges. Deve amar os jardins, e viver na torre para admira-lo de cima onde ele é mais bonito.
Deve querer sair, querendo ficar, chegar querendo sair, gritar querendo calar.
Meus personagens são assim, reflexo de um mundo conturbado, de uma garganta asfixiada, de um desejo reprimido, eles são sempre desejantes na vida e na literatura. Constroem seu mundo para si mesmo e não permitem que ninguém entre, quando alguém ameaça entrar eles reagem. Uma rebelião de personagens, todos correndo desesperados a procura de autores que nem sempre querem existir.

A morte de Enrique Job Reynes


Quem era Enrique não interessa,mas sim como este morreu. Tem pessoas que morrem triste, outras morrem sonhando, morrem de morte morrida ou de morte matada.
Pero Enrique, nosso personagem,morreu de morte matada, embora estivesse já há tempo no caminho da morte morrida.
Era primavera, quando as chuvas se intensificam nas tardes quentes que esperam o verão. Enrique saíra cedo de casa para trabalhar. Trabalhava toda tarde em seu ofício. Cercado de jovens ele falava sobre o fim, a morte, o fim das representações ou começo delas, o fim da vida, os deslocamentos, o fim do mundo. Compartilhava essas idéias com as pessoas já fazia tempo e suas investigações progrediam. Até que a idéia de fim, sem que isso levasse a um novo começo, principiou a fazer parte do repertório intercorrente de seu pensamento.
Falava , agia,trabalhava, estudava e a idéia ali,não se movia,não aumentava,nem tampouco diminuía ,mas estava ali, a deriva nos entre lugares de outros pensamentos.
Era um homem reservado, falava pouco, tinha poucos amigos, uma vida serena em detrimento dos pensamentos conflitados que o torturavam. Queria entender os mecanismos das coisas e não as coisas propriamente ditas. Interessava mais aquilo que não era, do que o que era.
Quando a idéia que não se movia começou a fazer parte de seu cotidiano, ele não se preocupava, achava que não pensava o que de fato pensava. Se perguntado sobre a idéia ,desconversava porque não era a sua provocação.
Todavia a idéia estava ali, submersa em outras questões, escondida por sob os papéis, disfarçada em outras palavras, sempre a espreita. Até que naquele dia, que era de primavera, e chovia muito, Enrique, depois de passar na casa de Delmira, sua amante,mas que não faz parte da história, saiu do mundo das representações do fim e fez seu próprio fim. Morte matada para os jornais.
Enrique Job Reynes, que outrora matara Delmira e depois se matara, dá cabo da própria vida deixando a amante livre para criar a história dos dois. (23/10/2009)

A conversa

Depois de uma simples conversa de prática religiosa pelo Msn, pois não se tem coragem de faze-lo em viva voz, o personagem solta uma pérol...