segunda-feira, 11 de julho de 2011

CAMINHOS

6/7/2001

Olhava incessantemente para a parede verde meio esmaecido, havia ali um desenho meio disforme de alguma coisa que não sabia ao certo que era. Era sempre assim toda vez que se sentava naquele lugar. Enquanto não pintavam aquela parede ela se descobria olhando aquilo que desde criança a intrigava.
Era uma vontade de fazer concreta aquela imagem que pensara ver. Imagem que não tinha forma para qualquer um que a visse, mas que tinha forma para ela, com todas as suas ambições e desassossegos, todo o seu estranhamento de mulher.
Que imagem era aquela?O que pretendia? Ou que fuga empreendera buscando no verde pálido de uma parede velha seu lugar.
Todavia, parecia para ela que aquela imagem era a que a descansava, a restituía a algo muito interior.Algo aparentemente sem formas, com o poder de ter milhões de formas. Cada dia que se sentava diante daquela parede o universo desconexo em múltiplas dimensões se reestruturava e era criado novamente. Nesse momento em que o verbo se fazia, que as possíveis formas iam saindo do caos e entrando na órbita de satélites que descobrem seu eixo, ela se sentia plena, preenchida, verbos, sensações diferenciadas, tatos, caminhos descobertos, imagens invisíveis que se formavam no interior de sua mente, labirintos que se desfaziam.
Lembrava-se de uma certa ponte e um certo caminho de um quadro, outrora na infância, visto na casa de sua tia. A sensação era a mesma. Quando após o banho, aguardando o jantar, depois de dia intenso de brincadeiras, se sentava sozinha naquela sala de paredes altas e brancas. A televisão desligada.E o que se via era o quadro pendurado na parede sobre o objeto eletrônico, como se somente com o aparelho desligado fosse possível olhar o quadro.
Ali sentada diante da pintura ela podia entrar no seu caminho, atravessar a sua ponte e vagar por mundos desconhecidos, por cores diferentes, por espaços outros. Era essa sensação que experimentava agora diante da parede. Entretanto, não tinha nem mesmo a ponte, nem o caminho. Esses teriam que ser criados por ela que já então sabia como fazê-lo. Não era mais a criança, aprendera a manipular o verbo. Tinha possibilidade de com ele fazer o que quisesse. Tudo a partir do verbo poderia se dar. Tudo, tudo mesmo. Qualquer construção. Qualquer canteiro imaginário, qualquer beijo, qualquer ser que fosse, só era possível a partir de.
Porém o medo estava sempre presente. Mesmo que não confesso ele percorria os espaços e a vida . Estava atrelado a uma organização poderosa que só tinha por fim essa mesma disseminação do medo.
Todos tinham medo, medo de perder, de ganhar, de não saber, de ser colocado em contradição.Indivíduos se corroíam para perder seus medos e enfim poder seguir, por espaços e imagens simbólicas ou não, o seu caminho. E ela não era diferente.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Saco vazio

Rio 20/6/2011

Cada dia uma linha que fosse, uma frase, uma voz , um fonema apenas. Simplesmente ouvir algo de dentro e transferir para o papel o que quer que fosse. Disciplina , empenho, comoção, conexão.
Como dá para ser escritor assim, sem dilemas existenciais, sem questões para resolver, sem teorias para defender, sem dor por mim, sem necessidade de alguém. A análise corrói, tira a potência, ela é a culpada por eu não conseguir mais expressão. Tudo que expresso é em vão, é simples, farei da existência a simplicidade da gota caindo do céu e batendo na planta. Tudo é banal frente aos olhos da pessoa analisada.
O mundo perdeu a complexidade. Os analistas acabaram com o mundo, acabaram com os problemas que geravam boa literatura.Eles acabaram com os personagens redondos ou quadrados, com os pronomes indefinidos, com os sujeitos indeterminados. Nietzsche culpou Deus, Freud culpou os pais, mas hoje, a quem vamos culpar??? Falta um culpado para a nossa pós-modernidade, é a hora de nos convencermos de que somos nós mesmos os culpados. Mas quem quer ser culpado de alguma coisa. Isso implica em pena, punição e não queremos ter trabalho, ter ansiedade, ter tensão. Vivemos a busca do mundo sem tensão, sem intenção, sem querer criar expectativas, em qualquer lugar. Tudo claro, simples, resolvido, higienizado, limpo, tão limpo, que parece que passou uma borracha voadora cortando as letras e os pensamentos que flutuavam. Drogas inúmeras: chinesas, bolivianas, americanas, paraguaias, qualquer uma, para acordar, para dormir, para trabalhar, para trepar, para tudo tem droga. Doenças para todos os tipos de diagnósticos, não temos mais médicos, temos analistas de imagens e de sentimentos e de sensações. E o saco cada vez mais vazio.

A conversa

Depois de uma simples conversa de prática religiosa pelo Msn, pois não se tem coragem de faze-lo em viva voz, o personagem solta uma pérol...