domingo, 12 de setembro de 2010

intertextual III

A gramática

GG criou uma gramática, própria dele, não seria usada pela humanidade, nem pelos que falavam a mesma língua que ele, mas deveria ser usada por ele e por quem com ele estivesse.
Para quem não sabe, gramaticalizar alguma coisa é botar regras, estabelecer princípios, criar normas que subjazem aos sentidos.
Era sempre igual o que GG fazia. E seguia a risca sua cartilha gramaticalizada.
Não era sua gramática como a criada por Griffity, aquele do cinema, que trouxe para a tela uma forma nova de linguagem, com as mais altas possibilidades. Não, GG era limitado, sua regra era clara, atos na parte superior ao pescoço não seriam permitidos, atos que envolvessem língua também seriam censurados, atos de fala afetiva nem pensar, para isso, punha como Ulisses cera nos ouvidos para não escutar o canto da sereia, não se deixar envolver e ser obrigado a violar sua gramática tão querida, permitido era apenas a introjeção do objeto fálico em cavernas escuras superiores e inferiores.
Mas a cera não dura para sempre. Um belo dia depois de pegar muito sol e ter muitos trabalhos para fazer, divulgando sua gramática para todos os lados, fazendo apologia de sua gramática, e vivendo seu inferno astral,a cera do ouvido de GG derreteu e junto com a cera que virou líquida veio a audição.
Foi então que GG, estando na ilha de Calipso, escutou o canto de lamento. Um canto profundo, suave, que levava uma melodia triste que fazia dançar, mas também chorar.GG já imaginava que houvesse esse canto, mas não se deixava escutar.
Escutar o canto era o mesmo que beber um veneno amargo, que o deixaria com gosto de fel na boca, com culpa, e o faria ter que tomar medidas drásticas para fazer valer sua gramática.
GG ficou confuso, o canto mexera com ele, não sabia o que fazer ao mesmo tempo que sabia tudo. GG queria e não queria, vivia o paradoxo.
Sempre GG soube tudo, tudo era dito o tempo todo, mas a cera, a gramática, o prazer faziam ele não acreditar, ele titubear.
Mas agora a cera derretida, o líquido que ela derramou, as palavras que ela falou. Mil coisas para não mais esquecer, quinhentas mil para lembrar. Não podia aguentar, teria que sair, teria que fugir. Não iria aos infernos ter com Hades em sua morada, mas talvez tivesse que abrir mão do prazer fácil, conhecido, amadurecido ao longo de anos de espera e possibilidades.
Sem saber o que fazer, partiu para não ceder, para não ter que transigir ou transgredir as próprias regras, aos apelos que entravam pelo ouvido destapado pela cera que derretera.
Não se sabe onde GG foi, se morreu ao tentar atravessar a fronteira da segunda para terceira margem, se virou pedra ao olhar os olhos rossos de Medusa, se virou húmus ao tentar se fundir com a terra para não mais pensar, ou se mergulhou no fogo do fim do mundo. Fato é que dele não se ouviu mais falar.

Verbo

Pudera um dia escrever sem deixar que o próprio ato da escrita, em seu processo de composição entrasse pelo meio de meus pensamentos. Nesse dia ficaria contente, nomearia os personagens, criaria as situações, inventaria os enredos, comporia meus espaços, independentemente. No entanto, a gênese do que faço me persegue,quero sempre organizar e saber tudo desde o princípio.
Ora, no princípio era o verbo e não consigo sair da minha verborragia.
Senhas

Um dia ainda vou ter disciplina, escrever todo dia, inventar personagens e não personagem, botar ordem na casa e nos arquivos do computador. Criar pastas fechadas para o passado e abrir pastas novas para o futuro. Trancar com senhas esquecidas tudo o que aconteceu ontem e olhar apenas o amanhã, sem esperar que o ontem venha me visitar, nem em sonho.
Mas o sonho é cruel, nos amordaça a razão e insiste em nos atormentar.
Já perguntei a todo mundo como se faz para não sonhar, ou sonhar sem resgatar fantasmas. Ninguém me respondeu.Aliás, ninguém é mesmo esperto. Vive dissimulando para não ser reconhecido, mas também pudera, em terra de homem de um olho só, quem tem dois deve mesmo não ser reconhecido.

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