domingo, 10 de outubro de 2010

Contos rejeitados II

Navegação de cabotagem

Sempre uma procura incontinente move as horas da navegação. Continentes por driblar, milhões de espaços desconexos de informações, mega bites de pixels de fotos inexistentes,que queriam existir fora do espaço virtual.
Fotos e espaços, mensagens e violões, palavras sem sentido, palavras com duplos, triplos, quádruplos sentidos escondidos nos non sense das discussões.
Eu nunca quis falar, nem tampouco escutar o que eu mesmo dizia, nem o que me diziam.
Montes de coisas não ditas que terminam por nem existir. Montes de sonhos contidos, de desejos reprimidos, de vontades cambiantes.
Eu ontem o amava, o amava desde sempre e acho que sempre amarei. Ele nunca ouviu da minha boca aquilo que eu queria dizer, porque eu também não sabia o que eu achava que sabia. Eu nunca quis saber o que foi aquilo que me arrebatou e fez existir diferente, que fez minha consciência pensar continuamente sem se dar conta.
Ele nunca ouviu da minha boca que eu o queria mais do que eu queria. Ele também nunca me disse, nada, exceto o discurso pronto de todo macho do século XXI, ou quase todos. Ele esperou muitos anos para ver enfim sua vontade realizada. Não que fosse complexo, não era, mas no fundo tudo sempre foi complexo, porque ele era complexo.
Descontínuos de paixão e de desejo. Ele jamais cederá, embora eu o quisesse, ele jamais quererá, mas eu bem queria estar errada. Eu cismo, me diz a consciência , todas as mulheres cismam, quando acham que amam. Talvez ele nunca me tivesse querido, ou talvez sempre tivesse. Mas foi demais, sua vida pacata e desequilibrada não aguentaria. Seria demais para ele, conviver com um sabonete, que se esfrega e cai das mãos a qualquer momento, sem dar sinal.
Não sei o que se passou, talvez tudo ilusão da minha parte , da parte dele. Só o tempo vai dizer. Um ano já faz. Quantos mais farão? Não sei, só não quero ficar parada,esperando Ulisses voltar pois nem sei, nem nunca soube o que fazer com ele.

Caixa de e-mail


Fazia tempo que todos os dias olhava na caixa de e-mail as mensagens que tinha recebido. Todos os dias acossava-o o mesmo receio de encontrar de novo um e-mail indesejado.
Antes só se comunicava com ela por e-mail, gostava de receber as cartas e bilhetes virtuais indecentes, que sugeriam uma boa rodada de prazer. Mas com o tempo, depois que ela disse que era apaixonada por ele, a vontade passou, como numa mágica qualquer. Conquistara finalmente o objeto de prazer, então ele não mais serviria para tirar-lhe da seca sexual.
Depois do dia da revelação, pediu a ela não mais o procurasse. Ela desobedeceu, como era de esperar. Ligou várias vezes, ele atendia, incomodamente atendia. Até que um dia parou de atender, deixou de responder aos e-mails, lia o que ela mandava e mais nada.
Uma vez ela mandou um e-mail que parecia tirar-lhe do sério. Não dizia nada, nem nada dizia, não falava indecências, nem convidava para sair, era uma crônica diária, crônica de saudade, respeitosa, que pedia um sinal de vida, apenas.
Não aguentou. O peso de algo que não sabia o que era, fez responder de forma arrogante e taxativa. -Porta fechada, Deixe-me tranquilo. Tenho namorada, firme.
Aquilo seria o suficiente para ela desistir. Não sem antes faze-lo sentir-se ridículo pelo que tinha escrito, chamando-lhe desequilibrado e não civilizado.
Um ato infantil. Fora amedrontado por um bilhete virtual, que poderia ser deletado a qualquer momento, sem leitura que fosse. Ridículo, pela falta de sociabilidade, por se esconder por trás de um suposto namoro sério, por trás de um medo absurdo que o remetia de novo a ela.
Fechou os olhos depois que leu, mas uma vez não sabia como lidar com ela. Fechou a caixa de mensagem. Ela não mais escreveu. Toda dia ele olhava sua caixa, achando que um dia ela pode mudar de ideia. Vive ansioso toda vez que vai ao seu provedor.

Desespero

Quando ela ligou pela última vez, tudo que eu queria era que o tempo corresse, a ligação caísse, ou o mundo acabasse para eu não ter que falar mais uma vez que não a queria.
Sempre fui assim, gostava de alimentar a ilusão das mulheres que saiam comigo, causar-lhes uma frustração e ficar nelas marcado como uma tatuagem que não sai facilmente, pois subcutânea minha tinta só sairia com cirurgia.
Vivi 20 anos com a mãe dos meus filhos, vivi simplesmente, maritalmente, não tínhamos o molde convencional, pelo menos diante de nós, já que diante da família conservadora não éramos tão diferentes. Tínhamos relações extra-conjugais, mas não muitas, o número suficiente para nos sentirmos vivos dentro do casamento e para criarmos nossos filhos.
Quando decidi me separar, eu já apresentava as características que agora tenho, queria me tornar recluso como o escritor, e viver para mim mesmo, de preferência sem interferência de ninguém. Eu, meus livros, minha pesquisa. Não achava que isso era algo de mais, nem de menos, apenas não queria de novo me sentir preso a uma situação e a alguém, já me bastavam os filhos.
Perto dos meus 50 anos, achava que já tinha vivido quase tudo, restava a mim poucos anos para terminar algumas coisas que queria deixar, meu livro e alguns outros escritos.
Desenvolvi por esse tempo um comportamento estranho. Sozinho em meu apartamento minhas pernas pareciam não mais querer andar, com uma contusão já curada, que insistia em ser problema. Era então fevereiro, final de verão quando eu não saía de casa, só lendo, escrevendo, quando ela reapareceu.
O peso dos 50 me assolavam, embora os médicos não registrassem qualquer patologia física. Já nos conhecíamos. Há 12 anos eu era um jovem professor num lugar que não era o meu, com uma língua que não era a minha, quando fui convencido, através de um conto seu, que tudo poderia ser azul, me encantei com seu jeito e me tornei seu amigo,ela tinha uma idade que nunca se modificou, parecia ter sempre, vinte e poucos anos. Eu sabia da sua inocência infantil, da sua forma expansiva e alegre de lidar com a vida, e não me importei com o que eu poderia representar para ela.
Fomos amigos no período de um curso e depois nossos encontros foram ao acaso. Quando me separei procurei por ela e pedi o que era impossível, tudo, sem afeto. Ela sumiu. Ficamos anos, talvez meses sem nos ver, mas ela escrevia querendo saber como eu estava. Eu sempre respondia e a convidava, ela às vezes vinha, às vezes não.
O tempo passou e nunca nos encontrávamos mais de um dia, ela sempre que vinha sumia, e eu não ligava, esperava ela ligar. Nunca quis entende-la pois julgava já saber o que ela pensava.Certas horas me irritava e me deixava acuado, mas compensava o prazer que me dava.Quando ela não vinha, eu tinha namoradas dizia a ela.
Então um dia ela reapareceu.Veio e ficou. Manda e-mail indecente e sugestivo, eu correspondo, a recebo por meses, ela entra em minha vida, é meu melhor dia da semana.
Eu começo a andar, minhas pernas não doem, minhas aulas fascinam os alunos, faço planos para mudar de casa, vejo a vida, o movimento ao meu redor, volto a praticar esportes, minha performance na cama me surpreende. Mas não saio com ela, ela vem a mim, e a prendo em minha casa, não a divido com ninguém, eu a sufoco, não com beijos, mas com teorias que a deixam tonta, e ela me ama, me come, me massageia o ego e o corpo.
Quando ela sai está exausta, pesada, confusa e eu leve, satisfeito, em forma para um homem com a minha idade. Me vicio, a vicio.
Até que eu, além de sufocá-la, passo a restringir seu tempo comigo, restrinjo sua forma de amor, sua fala, seus gestos, sua alegria, reprimo-a no que posso. Ela fica confusa, some por dias, reaparece, diz que não suporta. Explode e diz a mim o que eu fingia não ver e não ouvia, sou mais para ela do que eu achava que era.
Não aguento o que ouço, decido que não mais . Ela me procura, me liga, me passa e-mail. Não volto atrás, digo que tudo termina. Ela contesta, mas eu não a aceito.
Já tenho 54 anos, não vou mudar, sou o que sou, um estrangeiro, talvez eu morra amanhã, depois de aprontar meu livro, talvez eu volte para meu país, talvez eu fique doente, talvez eu seja doente, ela não me interessa, já tenho mais de cinquenta, o tempo para mim passou. E agora, agora é esperar.

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