domingo, 9 de novembro de 2008

Ventilador mental


Pleno silêncio de vozes, somente o ruído do vento do ventilador para aplacar o calor em que vivemos. A persiana balança com a brisa que vem da rua mais que não é suficiente para refrescar.
Também os pensamentos são aquecidos nesse clima intenso de verão, mas entendo que ter pensamentos aquecidos pode não se a melhor coisa da vida.
Rodeios e mais rodeios para tentar entrar num tema que não sei ao certo qual é. Preciso de um tema para poder escrever, ou não preciso? Sempre que tenho o tema nada me ocorre para falar e sempre que não tenho também. Talvez mesmo eu não devesse escrever. Porque se não tendo não consigo e se tendo também não consigo, então pra que gastar meu tempo tentando?
Mas eu quero escrever. Meu medo é de escrever sobre mim, embora toda vida só faça isso. Mas quero escrever para ser lida, e fico pensando que escrever sobre mim para ser lida talvez não fosse a melhor coisa.
Conheço muita gente, ou acho que conheço, uma média de 300 pessoas a cada 6 meses, pessoas que comigo convivem uns 4 meses e se vão. Pela média é quase impossível que eu guarde seus nomes e todas as fisionomias, mas certamente eles guardam a minha, isso se não forem muito distraídos. De qualquer maneira é um número muito significativo. Sinto que devo transmitir-lhes algo, além do que é mandado, e tento isso, embora só pelo contato semanal possa muitas vezes ser um pouco complicado;mas não é impossível. Não quero com isso ser diferente porque acho que todos que lidam com o público tem um pouco essa vontade. Mas queria que a mensagem passada surtisse um pouco mais de efeito no que toca a visão da coletividade. E isso, esse efeito, acho que minha mensagem não leva. Talvez quando fazemos alguma leitura diferente isso ocorra,mas mesmo assim não tenho tanta certeza. Se conseguisse passar uma, somente uma preocupação com algo diverso do conteúdo, acho que já me sentiria contente.
Mas por que sinto tanta vontade de escrever ? Talvez por saber que meus anseios sejam os mesmos de muita gente.
Não busco conselhos nem os quero para mim. Sei que a tentativa é tão somente de dizer.
Dizer, sem que o que diga seja visto com um juízo de certo ou errado.
Na verdade, o que digo, digo porque tenho que dizer e não porque nisso tenha algo demais para ser dito. Nada de importante.
Essa voz que me diz para dizer algo então se confunde um pouco com o que sou. Vejo o mundo sob minha ótica e não consigo fugir dela. Minha história foi inventada por mim e por mim vivida. A interpretação que fazem dela pode ser variada ,mas importa para a minha escrita a interpretação que eu faço da história que fiz e que acredito.
De tempos em tempos minha interpretação de minha história muda. Os fatos não mudam, mas o que deles entendo, muda sempre. Muda também meu grau de ilusão diante dos fatos e a leitura que faço de quem com o fato estava envolvido.
Então pensando assim, acho que cada ser humano tem a cada época leituras diversas de sua vida.
Com isso, poderia até experimentar marcar leituras de vida a cada seis meses, para comparar seus pontos de mudança e de semelhança. Nos surpreenderíamos com a forma como isso muda.
Seria mais ou menos como um mito e suas releituras de tempos em tempos.
Não sei como se chama essa forma de se interpretar a própria vida, mas sei que ela existe. E então quando me ponho a reler minha própria vida me ocorre vários e vários buracos no pensamento, buracos de mim mesmo, talvez, lacunas de interpretação que eu não sei como tampar. Ou sei, criando para elas outras histórias.
Ter nascido num ano que não terminou, por si só já carrega uma certa sensação esquisita, mas isso é uma história que não é a minha, sendo. Porque acontecia enquanto eu nascia e a energia disso de certa forma perpassa. Poderia dizer que isso é causa de certo olhar triste que as vezes me ocorre mas seria simplificar demais.
Vou adiante, ligo a TV e aparece um trecho de um poema de Manuel Bandeira dizendo “deixa teu corpo, os corpos se entendem, as almas não”. Não fosse isso casual eu diria que foi o enredo. Na verdade foi mais que o enredo, ele mesmo foi música de fundo, várias vezes declamada,sem que eu desse conta do seu pleno sentido.
Rio de Janeiro,11/3/07



Rocha

Quando vi você pela primeira vez, julgava que você era quem não era. Isso parece Florbela Espanca, mas não é.
Pensei que te conhecia, anos e anos. Achava que aquilo que meus olhos diziam, e que minha pele via era além do que eu poderia saber.
Desafiei. Pensei nas falésias e em seu cânion, sua profundidade que levava ao centro da terra. Movi discurso e fiz você me ver.
Venci. O centro da terra não é difícil de se ver, mas é difícil de se tocar, ainda mais de permanecer.
O centro, como todo centro, é no meio e pelos lados possui muitas reentrâncias, que são de tal maneira fechadas de matéria bruta, de algum minério desconhecido , muito duro.Levei minha química de derreter minérios, ela pareceu que ia bem, e foi, diluindo,diluindo, até que num momento parou. Encontrou dentro do minério uma parede ainda mais dura. Solo feito de camadas, camadas de elementos diferentes, algumas mais moles outras mais duras. Refiz a química, testei as substâncias e recomecei o processo de perfuração, talvez precisasse de uma broca. Mas não tinha força para manuseia-la.
A rocha não cedeu, rígida, de um material desconhecido ela continuou imune, convicta, sem sentido, mas dura, forte, impenetrável.
Pedi as forças, perdi todas as forças de combate, estava completamente sem. Parei. A rocha mais uma vez venceu, me pergunto pra que. Pra que ser tão dura, tão impenetrável. Acho que jamais terei a resposta





A Visita


"Mentir toma a herança da reflexão, resume-a e faz uma realidade a partir da liberdade que a reflexão conquistou”. “Mentir é adorável se o escolhemos, e é um componente importante da nossa liberdade” (Hannah Arent)

Mas ..., perguntou-lhe surpreso quando a viu na sua porta de beira de rua .
Nada, isso não é nada, eu sou ninguém, resolvi apenas fazer uma visita. Posso entrar?
O olhar austero do homem denotava sua inquietação diante da visão e da resposta.
_Sim, não. Entra, estava de saída ele falou achando que isso espantaria a visita.
Não espantou. _ Tudo bem? é rapidinho, só passei por curiosidade, para saber como estava, para ver a casa, na verdade.
Meu interesse sobre arquitetura é grande, e além do mais , quantas vezes ouvi dizer desse espaço, mas do que poderia.
Pois é, como está aqui? Ou melhor, como tá? repetiu a fala tantas vezes dita.
Soube que tinha mudado, vi a luz acesa outro dia quando passei e resolvi vir vê, fiz mal?
Se adaptou bem? Aqui é longe, todo comércio fica lá em baixo, as vezes tem que ter carro. Mas ladeira é bom para tirar barriga ou para torna-la mais musculosa, já que você não tem.
E o trabalho? tá legal? E a pesquisa?.
Todas as perguntas surgiam naquele momento para evitar o constrangimento da visita inesperada. o silêncio.
Tem água, vim caminhando... tô com um pouco de sede.
Os olhares não se cruzavam.
Pensou que talvez tivesse feito besteira, para que ir lá, para que ceder a curiosidade. Já fazia tempo que não o via, mas que também não parava de pensar.
Vivo aqui perto, 5 minutos a pé. Ele olhou-a temendo que as visitas fossem acontecer com mais freqüência. Pensou: seria ela capaz?
Sua face ruboresceu, lembrou do desabafo dela tempos atrás, sentiu raiva e sentiu-se mal. Sua covardia o tinha impelido para aquela decisão. Estirpar aquela semente antes que ela começasse a brotar, e assim tinha feito.
Mas e agora aquela visita. Visita inesperada, visita intempestiva.
Vou dizer que estou trabalhando, não posso dar atenção. Mas porque fugir assim?
Por que esse incômodo diante dessa situação.
Eu quem a mandei ir, eu quem determinei, como sempre determino.
A cabeça confusa, girava, com sensações difusas.
O instante demorava horas a fio, medo, náusea, ficou calado.
Bem, melhor eu ir, já tá tarde, ainda devo caminhar meia hora.
Tá bonito, gostei de te ver .
Até, ciao, partiu.

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