sábado, 29 de novembro de 2008


CARTA DO LEITOR – 27/11/08
Tenho um bibliófago em minha vida, e não sei que fazer com ele?Essa era a pergunta de Maria quando escreveu a carta para a coluna do psicólogo no jornal. Na carta ela perguntava e contava a história.
Tinha conhecido um homem há muitos anos, e se reencontraram agora. Ele vivia num pequeno apartamento cheio de livros que considerava seus maiores amigos. Ele dizia pouco sair, dizia pouco querer, não falava sobre passado, e buscava sempre nos livros a razão para sua existência. Queria ir para a terra do nunca, ele e alguns livros, nessa terra ficaria livre de tudo, de todas as cobranças, de todas as pessoas, de todas as obrigações. Pois tudo isso o perturbava.Queria dela apenas o recorte, pois isso os livros não davam.
Maria não entendia como tudo o perturbava se ele não tinha tudo aquilo que dizia.
Será que os livros o ameaçavam? Cobravam-no, davam-lhe obrigações?
Maria começou a pesquisar o caso, procurava nas enciclopédias, na internet, o que seria uma personalidade bibliófaga. Numa de suas pesquisas achou uma definição, - era um tipo descrito por Canetti -"aquele que lê tudo, sem distinção, basta que sejam difíceis”, mas não era bem isso. O cara lia, mas não tudo. Ficção por exemplo, ela não sabia se ele lia, talvez desprezasse o universo inventado, mesmo que fosse maravilhoso.
Lia sobre viagens, isso combinava com a definição de Canetti- “nunca visitou cidade alguma, sem antes ter lido tudo a respeito dela. As cidades se adaptam ao seu conhecimento”. Fazia sentido essa descrição, mas não só em relação às cidades, mas em relação também às pessoas . Ele julgava que pelo que já tinha lido podia adivinhar e saber quais eram as expectativas de todos, inclusive a dela, Maria. Sem dúvida, se enganava muito, porque achava que sabia o que não sabia.
Maria continuava sua pesquisa, e nos relacionamentos? Eles tinham uma relação, se conheciam, se encontravam, mas essa nomenclatura não convinha para ele. Ela buscou mais uma vez a definição - o bibliófago jamais fica só, ele precisa de alguém que o ouça, “ seu mundo constitui-se de livros e ouvintes”, “entrementes, às vezes se casou, outras acaba de divorciar-se novamente. Suas mulheres desaparecem”. “Ele admira homens que o estimulem a superá-los”.
Maria ficou na dúvida, seria ele iludido quanto a sua opção. Buscou então livros que falassem sobre opções sexuais e ainda assim não teve resposta. Foi quando resolveu escrever a carta ao psicólogo.
O psicólogo achando o caso muito complexo mandou Maria esquecer as definições. Mas seguiu ainda o manual do Canetti, numa última tentativa de ajudar, mandou Maria escrever cartas ao bibliófago, solicitando informações. Se for um bibliófago comum, com as cartas freqüentes o homem cada vez mais “estará a mercê dela(Maria) e desejará dispor constantemente de suas consultas.”
Maria diante da resposta não tinha mais o que fazer a não ser escrever...e recortar. Sem tempo, sem nome, sem nada...



Caldeirão - 27/11/08


Tem dia que é assim um caldeirão pegando fogo. A comida dentro ferve, ferve muito e não se consegue deixar tampado. Tem que destampar para que a fervura consuma o caldo e ele não derrame mais. Mas antes sempre derrama, suja, antes de engrossar.
Tenho medo desse caldo antes dele derramar, ele pode levar aonde nem sempre quero ir.
Sua espessura dita minha viagem, meu comportamento e sua fervura me consome, vou secando, secando, extraindo toda água que sobra. Por que tanto ferver? Por que tanto pensar ?. Inúmeras configurações de mim e dos outros. Cada hora uma nova imagem, um nova dosagem entra em minha veia me corroendo, um novo metro cúbico dosado nem sei porque, ou por quem. Sei que é meu isso, sei que cada etapa isso vai acontecer. E cada dia mais e mais e mais, até eu não suportar.
O dia em que não suportar, escrevo. Não dá para falar, parece a falta de algum conteúdo, alguma substância, por que não é assim sempre, inquietação.
Julgo ser falta de endorfina. Por isso meu vício em ter que tomar doses de endorfina, toda semana.

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