quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Rio, 6/11/2008

O Já-morreu

Seus pés são gelados o tempo todo, faça calor ou frio,a extremidade parece saída do freezer, mas isso não se pode dizer que seja algo só fisiológico. Seu pé é a materialização de sua própria emoção e sentimentos, frios, cruéis, conservadores, o próprio gelo cristalizado .
Sua vida se resume a investigação das coisas e não de si, do pensamento de outros sobre as coisas. Busca a terra do fogo. Pelo nome, o inverso de sua frieza consciente.
Pensa que controla o mundo, quer controlar tudo a sua volta, as pessoas tenta encaixar nas formas que existem em sua mente, os aparelhos, as necessidades e a própria morte ja foram organizados. Já marcou data, hora, local para ela acontecer.
Não permite intromissões nos domínios intelectuais, de desejo, de convivência. Se alguém se aproxima um pouco mais dele, o contato de pele lhe dá choque e a quentura do outro pode derreter seu gelo,então, ele não permite.
Seu discurso é sempre o mesmo. Se subestima na capacidade de dar, porque está determinado a não dar nada, nunca, a mais ninguém, exceto os filhos, mas mesmo para esses não se entrega por inteiro.
Quer habitar um lugar inóspito, longe de tudo e de todos, onde o contato humano, que ele julga terminado e ultrapassado não existirá. Seria ele não com ele mesmo, porque ele não se enfrenta, ele com seus livros e idéias. Ele mesmo não se conhece. Falta-lhe a vontade de experimentar inerente ao estar vivo,nada pode experimentar. E sem experimentar, não se dá conta que vai morrendo e definhando sua carne a cada dia.




Sofá branco

Deito no pequeno sofá branco de couro. Nele me encolho como um feto em busca de proteção, de uma fuga no sono. A mente trabalha para digerir as sensações e amansar os questionamentos. Tudo é difícil quando se mudam padrões. Questiono se tenho mesmo e porque tenho que muda-los . Não quero a vida toda sofrer por causa deles, por isso é necessário mudar para melhorar. Por isso tenho vida. Se não fosse para mudar poderia morrer. Idéias cristalizadas só a dos mortos que não pensam mais, sentimentos cristalizados também só os deles, se os tem.
Durmo um sono conflitado, relâmpagos de sonhos em torpores de dispersão.Acordo, durmo, durmo, acordo sem conseguir levantar. Os mesmos pensamentos, as mesmas pessoas, sonho dormindo,sonho acordado, difícil processo de elaboração, des-complexificação , desilusão .

sábado, 29 de novembro de 2008


CARTA DO LEITOR – 27/11/08
Tenho um bibliófago em minha vida, e não sei que fazer com ele?Essa era a pergunta de Maria quando escreveu a carta para a coluna do psicólogo no jornal. Na carta ela perguntava e contava a história.
Tinha conhecido um homem há muitos anos, e se reencontraram agora. Ele vivia num pequeno apartamento cheio de livros que considerava seus maiores amigos. Ele dizia pouco sair, dizia pouco querer, não falava sobre passado, e buscava sempre nos livros a razão para sua existência. Queria ir para a terra do nunca, ele e alguns livros, nessa terra ficaria livre de tudo, de todas as cobranças, de todas as pessoas, de todas as obrigações. Pois tudo isso o perturbava.Queria dela apenas o recorte, pois isso os livros não davam.
Maria não entendia como tudo o perturbava se ele não tinha tudo aquilo que dizia.
Será que os livros o ameaçavam? Cobravam-no, davam-lhe obrigações?
Maria começou a pesquisar o caso, procurava nas enciclopédias, na internet, o que seria uma personalidade bibliófaga. Numa de suas pesquisas achou uma definição, - era um tipo descrito por Canetti -"aquele que lê tudo, sem distinção, basta que sejam difíceis”, mas não era bem isso. O cara lia, mas não tudo. Ficção por exemplo, ela não sabia se ele lia, talvez desprezasse o universo inventado, mesmo que fosse maravilhoso.
Lia sobre viagens, isso combinava com a definição de Canetti- “nunca visitou cidade alguma, sem antes ter lido tudo a respeito dela. As cidades se adaptam ao seu conhecimento”. Fazia sentido essa descrição, mas não só em relação às cidades, mas em relação também às pessoas . Ele julgava que pelo que já tinha lido podia adivinhar e saber quais eram as expectativas de todos, inclusive a dela, Maria. Sem dúvida, se enganava muito, porque achava que sabia o que não sabia.
Maria continuava sua pesquisa, e nos relacionamentos? Eles tinham uma relação, se conheciam, se encontravam, mas essa nomenclatura não convinha para ele. Ela buscou mais uma vez a definição - o bibliófago jamais fica só, ele precisa de alguém que o ouça, “ seu mundo constitui-se de livros e ouvintes”, “entrementes, às vezes se casou, outras acaba de divorciar-se novamente. Suas mulheres desaparecem”. “Ele admira homens que o estimulem a superá-los”.
Maria ficou na dúvida, seria ele iludido quanto a sua opção. Buscou então livros que falassem sobre opções sexuais e ainda assim não teve resposta. Foi quando resolveu escrever a carta ao psicólogo.
O psicólogo achando o caso muito complexo mandou Maria esquecer as definições. Mas seguiu ainda o manual do Canetti, numa última tentativa de ajudar, mandou Maria escrever cartas ao bibliófago, solicitando informações. Se for um bibliófago comum, com as cartas freqüentes o homem cada vez mais “estará a mercê dela(Maria) e desejará dispor constantemente de suas consultas.”
Maria diante da resposta não tinha mais o que fazer a não ser escrever...e recortar. Sem tempo, sem nome, sem nada...



Caldeirão - 27/11/08


Tem dia que é assim um caldeirão pegando fogo. A comida dentro ferve, ferve muito e não se consegue deixar tampado. Tem que destampar para que a fervura consuma o caldo e ele não derrame mais. Mas antes sempre derrama, suja, antes de engrossar.
Tenho medo desse caldo antes dele derramar, ele pode levar aonde nem sempre quero ir.
Sua espessura dita minha viagem, meu comportamento e sua fervura me consome, vou secando, secando, extraindo toda água que sobra. Por que tanto ferver? Por que tanto pensar ?. Inúmeras configurações de mim e dos outros. Cada hora uma nova imagem, um nova dosagem entra em minha veia me corroendo, um novo metro cúbico dosado nem sei porque, ou por quem. Sei que é meu isso, sei que cada etapa isso vai acontecer. E cada dia mais e mais e mais, até eu não suportar.
O dia em que não suportar, escrevo. Não dá para falar, parece a falta de algum conteúdo, alguma substância, por que não é assim sempre, inquietação.
Julgo ser falta de endorfina. Por isso meu vício em ter que tomar doses de endorfina, toda semana.
O Belo- 26/11/2008

Era belo eu bem sabia, olhos claros e cabelos também claros, corpo de menino, baixinho ou altura normal? Talvez um pouco abaixo da média. Já o conhecia fazia tempo, acho que uns 3 anos. O conheci em outro lugar. Sempre que passava por aquela rua lembrava que ele morava ali, mas nunca durante anos o encontrei.
Entretanto, sempre alimentava essa vontade, pensava em como seria encontrar um pessoa assim, significativa, depois de tempos.
Descia então para o centro da cidade quando o encontrei.Vinha caminhando como eu, e logo nos deparamos um com o outro, eu ia ele vinha. Como sempre aconteceu em nossa vida. Tínhamos desde sempre caminhos invertidos. Ao menos assim me pareceu depois desses anos. Idéias conflituosas diante da vida. Ele achava que eu achava uma coisa que não achava, nem dá para entender. Mas nos dávamos bem. Ele na sua fantasia de homem livre e libertino e eu na minha, de ter de colocar alguém em alguma lacuna de minha existência. Alguém no vazio mental que eu possuía.
Durante quase um ano a vida foi assim preenchida, não sabia, e por não saber, o que julgava que sabia, me desfiz .Como era de se esperar, depois que me desfiz percebi o que fiz. Tarde demais. Não poderia mais. E o tempo passou e passou, e como sempre ele também . Hoje, quando o encontrei, vi que passou, me senti gigante diante daquele homenzinho que eu tinha achado tão grande ontem. E olha que eu nem estava de salto.



Amigos -26/11/08

Amigo é sempre bom. Nos perdemos em conversas e deles podemos escutar quase tudo. Tem amigo psicólogo, administrador, músico, professor,terapeuta corporal, amigo que ama desesperado e que nos faz rir, amigo que quer nos amar e temos que fugir, amigos que são passionais. Que não nos tratem mal, porque os amigos respondem por nós, tem amigos sexuais e amigos castos, amigos de amigos, amigos de nós mesmos..
Mas também tem aqueles que não conseguem escutar sem falar, que tem sempre uma maneira de se intrometer, a sua luz, quando deviam apenas escutar.
Eles nos ajudam a pensar e dividem conosco nossos piores e melhores momentos.
Amigos homens e amigas mulheres. Cada fase da vida temos uns. Ás vezes mais sinceros, as vezes só de copo, outras só de farra, ou só de passeio.
Precisamos deles . Quando a dor nos envolve eles nos amparam, e sempre tem algo que dizer, mesmo que nós nem escutemos.
Meus amigos são assim, pau para toda obra. Uns mais íntimos, outros mais superficiais, uns mais egoístas, outros todo amor. O amigo da cama, que não quer ser amigo, o amigo da sala, que só quer falar de si, o amigo que te vê como ele, quando você não é ele, o amigo que acha que te conhece mais que você mesmo e quer que você aja como ele agiria. Ai amigos. Que seria de mim sem vocês.


O escritor -27/11/08

Alguém já disse, não sei onde, que escrever era um ato de devoção. Eu concordo. Todos que querem escrever tem uma pulsão absurda para o ato, mas precisam também de uma devoção e uma disciplina atroz.
Escritores passam dia inteiro sentados escrevendo, criando histórias, criando vida. Brincam de criadores, de Deus? Não sei, sei que criam. E aí é indistinto o que se cria, se é poesia, se é texto crítico, se é vida própria, se é vida de outro, o fato é que essas pessoas são contaminadas por um vírus que traz uma necessidade de se expressar de qualquer forma, e fica quase inviabilizada a sua vida se não realiza essa mágica de mexer com as palavras, a fim de dar-lhes um sentido derivado de sua união.
Não é a palavra solta que interessa, é a palavra em conjunto, é a palavra misturada, miscigenada, retorcida, estuprada, retirada de tudo e de todos, a palavra abortada, ou mesmo a palavra parida .
É comum muitos escritores pós-modernos se dedicarem a fazer essa cirurgia do ato de escrever, do movimento e uso das palavras. Mas por que? Talvez porque seja tão difícil se ter consciência do que se escreve, no próprio momento em que se escreve, e seja tão importante para quem escreve tentar traduzir de novo em palavras aquilo que sente.
O que sente? Digo sempre que a literatura é a expressão de um povo, de uma pessoa, para ser mais fiel ao texto. Um povo não escreve romances, histórias que tenham sua visão coletiva sobre a vida . Um povo vive as histórias. E poucos são aqueles que conseguem a partir delas fazer uma síntese, criar algo. Mas é expressão? De quem?
Hoje muita gente escreve, muita mesmo. Abrimos a internet e chove torrencialmente sites com textos de ilustres desconhecidos e conhecidos também. Todos querem falar, mostrar o que falam. Alguns melhores que outros. E num país em que o livro não vira um objeto de consumo primário, começo a pensar sobre a posição dos sites e blogs, dentro desse universo de formação de povo leitor dentro da internet.
Eles lêem mesmo? Segundo uma blogueira, que não gosta de ser assim chamada, porque já se transformou numa escritora convencional, as pessoas não só lêem como comentam o que lêem de forma até mesmo agressiva e isso passou a incomodá-la.
Mas por que ela vai ler os comentários. Fecha para isso. Não dá o email. Mas isso é de cada um.
O fato é que também o comentar passa por viés da necessidade de expressão. Mas acho que esse comentário é falso, porque muitos do que escrevem não assumem o que escrevem. Pasmem!
Não sei como enveredei por esse caminho nesse texto, talvez por estar pensando em meu blog, e se alguém o lê, e como chegam até ele . É isso .


CADERNO LARANJA DE 2004
Quem sou eu?
Eu, Maria, Rahel, Elisa, Hannah,Clarice,Virginia,Capitu, todos os nomes de mulheres, sou, torturada, oprimida, escritora, autodoadora, fatigada, servil, egoísta , narcisista, mimada, sultanesca,arremessada, inventada.
Inventada é o que mais sou, invento-me a cada minuto, não só a mim, mas a tudo e a todos.
Vivo pelo simples prazer da construção verbal de alguns. Existo só por isso e por nada mais.


O processo:

Um bilhete


Era visível naquele momento a resistência em seguir. O boicote feito por ela a sua própria vida sentimental, naquela hora, se mostrava com toda a sua força e crueldade. Ela jogava contra si mesma durante todo tempo e ali isso parecia mais forte.
Tudo partiu de um bilhete deixado, à noite, no carro do futuro pretendente, daquele escolhido para ocupar o espaço. Na noite anterior fizera essa tentativa e estava aguardando um telefonema. Tinha tomado a decisão de fazer algo para conhecer aquele que havia chamado atenção.
Entretanto, ao aguardar a resposta do bilhete, pela manhã do dia seguinte, a reação foi de volta, pegou o telefone e mandou uma mensagem escrita para o velho amor( que ainda não era esquecido) convidando-o para sair. Esse, como sempre, jamais respondia às suas mensagens ou pedidos. Ela sabia disso. E, ao longo do dia, esqueceu a mensagem mandada. Na mesma tarde, recebeu uma ligação, seu bilhete deixado no carro tinha surtido efeito o homem ligou para ela. Numa reação de surpresa e sem saber como falar ela atendeu ao chamado, tentou explicar quem era, mas ele não parecia se lembrar, ou se lembrava, fingiu. A conversa foi rápida, mas suficiente para trocarem seus nomes e prometerem se esbarrar no trabalho. Ela ficou sentida por achar que ele não se lembrava dela e decidiu nada mais fazer, deixar que a coisa seguisse seu próprio rumo, já tinha dado a brecha, agora esperava que o caçador se manifestasse, e jurou não mais mover suas mãos .
Porém, se traiu mais uma vez, acuada e acossada pela nova possibilidade pegou outra vez o telefone e mandou outra mensagem para o velho amor. Mensagem essa que mostrava sua tristeza em não obter uma resposta e dizendo que não era antropófaga, que só queria conversar.
Para sua surpresa, o velho respondeu: não poderia sair naquele dia pois tinha um encontro.
A palavra encontro caiu-lhe como um furacão sobre a cabeça.
Naquele momento um vento frio lhe cortou a espinha. Sua mente revirou, milhões de sentimentos a cortaram como uma faca recém afiada. Sentiu dor, raiva, tudo que uma mulher é capaz de sentir quando se vê rejeita por quem ama, quando se sente trocada por qualquer coisa, mesmo que imaginária.
O primeiro impulso era de sair e descobrir se de fato ele dizia a verdade. Mas porque mentiria? Talvez por não ter coragem de dizer que não queria. Que temia. Mas de qualquer maneira o que importava, ele já tinha dito isso mil vezes, só ela não ouvia. Encontro com homem, mulher, amigo, amante, tudo. Independente de quem fosse, o sentimento era o mesmo, de desprezo, e ao mesmo tempo de raiva de si mesma por continuar insistindo em algo que não daria em nada.
Teve vontade de morrer. Mas se poupou como sempre fazia. E começou a se questionar. Por que passado tanto tempo ainda pensava nesse velho que não a merecia, que não se importava com ela, por que aquela atitude de volta, justo no dia em que estava dando um passo para frente. Ultimamente, todos os sinais a avisam que era preciso ir, que era preciso
deixar para traz aquele velho, nesse mesmo dia ouvira de outro homem que ela deveria anunciar que estava livre e não continuar agindo como alguém preso, compromissado. E aquela fala , daquele desconhecido, a surpreendeu principalmente pelo fato de que ele nem a conhecia para dizer isso. Além de surpresa, o que ele disse mexeu com ela.
Ela sabia que até então jamais tinha estado disponível para outra relação, para que outros homens a amassem e a desejassem . Mesmo tentando sair, se forçando a estar com alguém ao longo desses anos, ela sabia que jamais estivera de fato com alguém, pois se guardava para aquele velho, ou na esperança que aquele velho retornasse, como um Ulisses, que no final volta para sua Penélope. Porém ela não era a grega, mas tecia de dia seus planos para o futuro e desmanchava-os a noite, quando se deitava e pensava no velho. E assim deixava esperando seus pretendentes enganando-os e enganando a si mesma . Sonhava em andar para frente, mas recuava sempre que possível. Não tinha um dia em que não pensasse naquele velho. E não mais pensava no que foi,( porque já havia esquecido certas dores) mas no que poderia ser, numa mistura de apego, obsessão, idéia fixa.
Entretanto, naquele dia, quando ele respondeu a sua mensagem dizendo do seu encontro, algo mudou dentro dela. Depois do emocional a dominar, a razão, como sempre, sobreveio, e resolveu parar, pensar e deixar de sofrer e deixar de lado a dor para racionalizar.
Pensou que já tinha dito tudo que era possível a ele, mas por que ainda insistia em encontrá-lo?, pensou que já tinha pedido tudo a ele, e por que insistia em ser sua amiga. Ela sabia que essa aproximação não dependia só dela, mas também dele, e ele relutava, não queria. E ela não sabia porque motivo. Isso de certa forma a dava uma sensação de que poderia haver algo além das aparências . Talvez iludida com essa reação ela tentasse uma aproximação, mas ele não dava o mesmo sinal, todo tempo criava mil desculpas.
Ela no fundo achava que o contato poderia recuperar o que se tinha perdido, a ternura, a amizade, o desejo. Mas, racionalizando ela sabia que tudo aquilo era sua ilusão, porém tentava chegar, tentava sempre, temia passar por tudo sem tentar , talvez ela tivesse uma intuição, mas seu lado racional, não acreditava muito nisso.
Resolveu então criar sobre aquilo que sentia. Pois, se o real, se o amor concreto estava no estágio do impossível, pelo menos no campo da fantasia, ela poderia criar mil amores, que dessem certo, em que as pessoas lutassem pelos seus sentimentos os fazendo florescer e renascer quando perdiam o adubo e tivessem sucesso. E assim começou a fazer. Levou sua história para a ficção, o que de fato ela parecia.
Todos em algum momento de suas vidas tinham passado por aquilo. Todos que um dia amaram e perderam seus amores, sentiam esses mesmos sentimentos, todas que um dia foram desprezadas se identificavam com aquela personagem, que amava incondicionalmente um fraco, que não sabia amar nem ser amado.
Ela então escrevia para aqueles que como ela lamentavam a curta vida e os amores não compreendidos e não correspondidos. Aqueles, que como ela, se sentiam sós e que buscavam um espírito companheiro e romântico com quem dividir a existência . E assim passou grande parte de seus dias, tentando fazer seu público entender que é preciso aprender a amar e aprender a ser amado. (14/05/2004)




Sábado

Dia cinza inspira pensamentos cinza. Tudo parece estar assim sem cor ou com uma cor indefinida que leva a tender para a não compreensão do todo e de nós.
Acordou cedo naquele dia, mas tentou ficar na cama por mais tempo.Embora seus pensamentos não a deixassem dormir. Desde o dia anterior aqueles sentimentos a perturbavam, era mais uma fase do processo de esquecimento e desilusão. Ela sabia disso, e sabia que passaria que era questão de tempo. Por isso tentou não dar importância ao que sentia. Mas aqueles sentimentos, aquela angústia a consumia de uma forma avassaladora. Não entendia como de hora para outra tudo aquilo retornava. Talvez porque ela estivesse alimentando de alguma maneira aquele monstro que a devorava de vez em quando, talvez porque ela tivesse medo de se lançar para mais uma aventura . E assim ressuscitava dia a dia aquela relação, aquela figura impossível, criada pelo seu imaginário. Mas era ainda muito cedo para ela reagir dessa maneira , se defendendo do que ainda não tinha acontecido e que ela nem sabia se aconteceria. Porém, seu inconsciente não agia assim tão racionalmente quanto seus pensamentos.
Por isso ela sofria. Tentava de toda forma não demonstrar tal sentimento aos mais próximos, temia as cobranças, pois a sua própria já era em demasiado. Mas não conseguia disfarçar. Sentia-se tão seca por dentro, tão torturada por seus pensamentos e tinha mesmo raiva do que sentia. Não tolerava que estivesse ainda pensando daquela maneira, não admitia que tivesse ainda desejo por alguém que não a merecia, por alguém que não se importava, que era insensível que tinha todos os piores defeitos dos homens. Sim, ele conseguira tirar dela o amor e agora inspirava raiva. Coisa que ela não sabia controlar.
Sua vontade era de dizer todos os desaforos, de surrá-lo, de agir de forma agressiva, deixando sair toda aquela energia que estava acumulada. Mas não poderia dar vazão a isso. Pois nem perto ele chegava, e quando chegada ela se sentia desarmada. Ao desabafar escrevendo ela sabia, entendia e teorizava, mas diante dele ela não tinha coragem de falar nada. Somente o observava e ainda desejava. Era mais forte que ela, e isso a deixava confusa, perplexa e inconformada. Na verdade, não aceitava esse sentimento de maneira passiva pois sua razão a dizia que tudo aquilo era inviável, impossível diante da realidade, mas ela insistia e insistia, parecia que aquilo nunca teria um fim , que seria condenada a passar a vida vagando e pedindo algo aquele ser do absurdo. Que também não se sabia quem ser.
Até que um dia, ela se deu conta de que já era tarde para todo aquele amor, que ele não poderia continuar porque não teria mais seu espaço e resolveu deixar , largar aquilo que a realidade não poderia lhe dar e seguir. Olhou a natureza, a vida que a esperava e saiu ... Entendeu enfim, que para ser feliz, a melhor aliança era com ela mesma.


Exposição 15/05/2004

Estou cansada de ser chamada atenção.Ao contrário do que poderia ser considerado saudável, o fato de lutar , procurar, buscar recuperar o que se perdeu, é considerado exposição pelas pessoas. Não temos o direito de lutar . _ Olha você está se expondo demais. Não é isso o buscar o sofrimento. Ele já deixou claro que não tem brecha para você. Por que você insiste tanto?
Eu não sei, se soubesse não insistiria. Se soubesse que tudo isso é tão ruim eu não insistiria. Se soubesse que hoje isso doeria tanto não teria falado nada para ninguém e nem teria procurado. Sei que tenho procurado demais, foram uns 3 ou 4 telefonemas e umas duas mensagens de telefone, não busquei encontrá-lo em casa. Será que isso é tanto? Me pergunto por que não fiz isso quando me separei. Talvez porque estivessem todos me dizendo para não procurar ,talvez porque tivesse a psicóloga dizendo,- espera.E porque eu mesmo me policiava mais. Pois sabia do tempo que teria que ser dado. Mas acho que o tempo agora passou, se eu tivesse antes feito isso, quem sabe.?
Não me conformo ainda com tudo isso, mas sei que tenho que me conformar. Estacionei, e voltei da Groelândia no mesmo pé. Que diabos essa obsessão!
Quero chorar mas não posso, tenho que me trancar para fazer isso, para não deixar todos preocupados. Queria sair mas não tenho com quem. E tenho raiva dele por ter me provocado tudo isso.Porra, será que eu mereço tudo isso? . Tudo bem, todos venceram, ele venceu, eu não vou mais procurá-lo , de hoje em diante ficarei quieta no meu canto. Não mas mandarei email, mensagem de qualquer espécie. Não farei mais nada e preciso de força para cumprir isso que me determino nesse momento. Sei que já era hora, todos falam e eu sinto, ele exige, eu também. Mas mesmo tomando essa decisão eu penso que –será que fazendo isso ele se toca . Eu no fundo sei que não, pois já tentei isso outras vezes.
Preciso de ajuda, será que isso é hormonal? Será que estou desequilibrada? ou já estou na TPM outra vez. É muito pouco tempo. Será que terei que passar dopada todo o resto dos meus dias.
Sei que preciso de um namorado novo, que não é aquele bosta(ele). Sei que qualquer um poderá ser melhor do que ele, que ele é um merda. Sei de tudo. E ainda assim sinto isso tudo.
Que espécie de mulher sou eu? Só chego a conclusão que devo gostar de sofrer para me sujeitar a isso. Todos falam que ele é muito ruim, todos contra e eu só, a favor. Há algo de podre nisso tudo. Preciso sair dessa fria. Já está demais. Sei que já passei por isso outras vezes, e que passa, mas tenho que ter um estímulo, e o que me falta é ver outra pessoa como estímulo, pois até isso aquele merda conseguiu tirar de mim, ou eu dei a ele.
Tenho que mudar, preciso mudar para não morrer.
De novo no desespero, contesto a existência de algo que me ajude. Preciso de força. Tenho que elaborar uma estratégia. Não posso me deixar dominar por isso. Não é justo comigo mesma. Tenho que reagir e lutar por mim, e não por ele . Por mim é que tenho que lutar para mandá-lo a merda que é da onde ele nunca deveria ter saído e para onde deve ir.




Exposição II

O que tem demais em se expor, em expor os sentimentos para alguém ou todo o mundo ver? Nossa sociedade se acostumou em não mostrar as faces das coisas, mostramos o ódio a indignação, a raiva mas não podemos expor o amor. As pessoas se sentem mal quando dizemos que nos expomos, parece que sentem vergonha por nós. Mas quem se expõe não sente vergonha. Ao contrário, do que se pensa o indivíduo que se expõe sabe o que está fazendo e as vezes isso é uma estratégia dele. Por que tantos indivíduos buscando a fama num big brother . Como certeza eles não tem a mesma intenção que uma mulher apaixonada ao gritar aos 7 ventos o seu amor, mas de certa forma a exposição é igual.
O medo de ser julgado, e dito ridículo penso ser o que de certa forma inibe as pessoas que pensam em se mostrar, independentemente da forma escolhida para essa amostragem. Por outro lado, aquele indivíduo que se mostra apenas para o ser amado, pode até correr mais riscos. Sim,porque fica vulnerável na mão daquele que ama. E sujeito a todo tipo de sentimentos contraditórios.
Todo artista se mostra, precisa disso para viver, pois precisa do público. O artista só existe para o público, um artista sem público seria o mesmo que um rio sem água , tem o caminho mas não tem o que dá fluidez, o que dá a força o que faz o rio ser propriamente um rio, com águas diferentes a cada curva, com margens diversas, com terrenos desconhecidos a cada momento.
Assim o pintor precisa de quem veja sua pintura, o escritor necessita que leiam seu livro, o escultor quer alguém admire sua obra. Mas e o amor, quem quer ver?.
Na verdade, ele necessita que outro o veja, para que de repente desperte algum sentimento.
O artista não pede que amem sua obra, assim como o amante não deve pedir o amor. Amor dizem o sábios não se pede, se conquista e a conquista de um sentimento é algo involuntário, não existe mecanismo de fazer brotar em alguém o amor pelo outro, ou se tem, ou se desperta, mas somente só. O despertar é algo que se dá na solidão, e não com o exercício. Até podemos fazer algo renascer, mas é porque já existia, caso contrário é difícil.
Muitas estratégias podem ser feitas com esse fim, mas sempre se parte de uma pré potencialidade para a coisa.


A transformação


Algo acontece com a personagem nesse momento. Ela sabe que está em pleno olho do furacão. Naquele espaço onde nada pode ser compreendido pelo que aparenta ser.Tudo é o que é naquela forma, e pode não ser nada mais no momento seguinte. As coisa, a vida vai acontecendo mas a personagem necessita de alguma forma entender e racionalizar e se mexer. Pois se tem um movimento é porque tem vida, tem energia, seja ela qual for.
E isso pode atingir o ponto do absurdo. Ela busca a paz mas não sabe conviver com ela. Os fluxos de pensamento a levam para um lugar inimaginável como uma tontura sem muito equilíbrio . Sem equilíbrio tudo tende a declinar, para qualquer lado.
Ela hoje tem o que a incomoda. A presença constante daquela lembrança. Lembrança arredia, misteriosa,medrosa. O medo do transformar. Ela sente medo de transformar-se. Ela tem medo do mudar, embora mude todo tempo, muda por fora e não por dentro.
Tudo muda todo tempo, o rio muda a cada água , a vida , as relações, nada é igual o tempo todo, por isso é vida. Se fosse tudo parado não seria vida, seria seu inverso morte. Mas até a morte é movimento, sim, para o renascer.
Esse confronto rotineiro com a razão a enlouquece. Tem medo de enlouquecer com seus devaneios. Chega ao ponto em que o limite entre a loucura e o padrão se perdem. Sabe-se normal, todos dizem, mas sabe-se louca, ensandecida pelas bipolaridades da alma.
Ser bipolar, ter dois lados poderia ser normal, quando se tem disso um bom senso. Entretanto, quando todos rogam pelo ser mono-polar, ela se embate num universo transfigurado pelo “non sense”.
Mas o que é o non sense, é a perda de tudo, e é o melhor de tudo, sem sofrimento é a libertação do espírito para o que transmuta de matéria para não matéria. Do concreto vazio, para o cheio abstrato. E isso é o que da prazer de sentar e criar, tudo que não faz sentido para quem não sente o imenso vazio.

Let it be
13/06/2004
Grande canção. Sábia canção. Deveria ser o hino de todos que sofrem de amor ou por amor. A mágica está em saber quando esta frase se torna real e concreta. Quando uma mulher deixa de amar um homem e o larga de mão e entende que é preciso deixa-lo ir, para poder ir.
Amar nunca foi simples, relacionar é complicado, tudo que diz respeito a vida e amor é controverso. Sábias palavras são aquelas que não são ditas mais sentidas. Não adianta dizer sem sentir. Dizer, se diz a todo momento. Sentir é que de fato concretiza o dizer.
Minhas teorias me diziam sempre que era preciso deixar sempre ir, porém eu, apesar de dizer, me apegava tão fortemente ao meu objeto que ele não se desgarrava de mim. Anos a fio, quis deixa-lo ir mas não abria a porta ou a janela para ele . Até o momento em que consegui realizar esse ato. Naquele dia abri porta e janelas do meu ser e respirei a brisa gostosa da tranqüilidade de estar no extremo vazio do ser. Sabia que algo muito importante estava por acontecer, que daquele momento em diante, minha vida tomaria um novo senso.
Eu comigo me bastava e me bastaria. Toda a tranqüilidade que queria , agora conseguiria, tinha paz e amor dentro de mim, e respirei a vida que me tinha negado durante tanto tempo. Senti a paz de caminhar entre espaços brancos, sem rumo, livre, e leve. Um fado tinha sido descarregado. Só restava agora a sensação da liberdade em minha alma. Sabia o que já sentira e o que agora poderia ser.
Peças e mais peças de vida são o que nos movem em nossos labirintos, e na busca de entendermos o que nos acontece, nos perdemos nas emoções dessa jornada sem luz, dessa dor maior que a própria dor. A dor da culpa nos corroia e já não nos corrói mais. Dito isso vemos nosso próprio filme, e deixamos a fita rolar para nos observarmos de perto.
Lógica não existe, só existem sensações que são de êxtase nesse momento. Êxtase sem drogas. Êxtase de palavras e verbos. De repente um medo vestido de vento rompante cruza a estrada quente, o espaço branco. Porém não persistirá, fechamos a página e o raciocínio se afugenta, não mas me dominará esse sentimento de dor, perda, e culpa. Quero agora deixar estar, desligar, desencanar, e somente, simplesmente, ir sem mais pensar, planejar, esperar. Só ir deixando estar...



A disciplina
17/06/2004
Ao estudar a Doutrina do Buda tenho me deparado com algo bastante interessante. O mestre fala da importância de se viver o presente deixando o passado e o futuro, àquele deixamos para o que foi, que não podemos mudar, e este deixamos para o momento em que se será. Outra coisa que diz o mestre é sobre a questão de termos de educar a mente e isso se faz prestando atenção a tudo que fazemos e sentimos, em todos os níveis: mentais, dos sentidos e corporais.
Todo esse ensinamento tem me feito pensar muito, e de certa maneira é o que venho exercitando, capengamente, com o meu sentimento em relação a essa perda que tive.
Desde que me propus a escrever, meu objetivo estava pautado em dois pilares. Um era o fato de eu querer que o objeto do meu amor soubesse o que eu estava passando e sentindo, toda dor , toda alegria e tristeza, toda a falta e saudade que dele eu sentia. Todo e qualquer pensamento era milimetricamente esmiuçado e investigado por mim, também falava dele e das nossas coisas em comum e ainda analisava o que tinha acontecido pois, ao saber disso tudo, eu esperava que ele atentasse ,ou pensasse que a melhor maneira era estarmos juntos, e tentava fazer descortinar para ele tudo aquilo que sucedeu para que ele acordasse e visse que o amor poderia sobreviver a catástrofe que se deu e me procurasse para tentarmos nos reconciliar. Eu jamais o acusava ou tratava mal porque tinha medo de ser agressiva e perder, em vez de ganhar. Dava minhas impressões de vida e falava da saudade, acho que só.
O outro pilar de meu objetivo era pautado no fato de eu querer de qualquer forma registrar tudo que estava vivendo e sentindo. Acho que meio incentivada por Rahel , porque se não fizesse isso enlouqueceria, tamanha necessidade de me expressar. Outras vezes fiz assim, enchia vários cadernos com essa minha verborragia. Dessa vez, no entanto, escolhi o próprio objeto perdido para compartilhar comigo desse processo. Não sei explicar o porquê dessa escolha, talvez mais uma vez, influenciada pela Rahel e por uma necessidade de expor-me a ele e deixa-lo a par do que tinha acontecido. Ou talvez para puni-lo pelo que sucedera, não sei o que de fato eu queria, além de me colocar e tentar traze-lo de volta.
Conquistá-lo pela palavra, uma vez que eu sabia, e sei ,que ele gosta de ler o que escrevo e dá imenso valor. Mas sei que a intenção que eu tinha não deu resultado, pois ele jamais respondeu uma carta que fosse . De verdade, não espero qualquer resposta, sei que ele jamais o fará pois pelo que me consta, deve pensar que se o fizer estará alimentando minhas esperanças e isso ele não deseja. Já que não deseja me fazer sofrer. Tem ainda certo cuidado.
Porém agora, a situação está para mim mais complicada. Necessito da mesma maneira escrever, vou escrever um livro, me propus. Mas tenho vontade de escrever para ele, continuar na mesma cegueira. Talvez mais uma vez eu esteja no processo de retroalimentação, achando que uma carta vai mudar o que ele sente, o seu desejo.
Embora eu saiba que isso não acontecerá pois até agora ele jamais se manifestou.
Meu desejo se fragmenta em dois e posso, seguindo a Doutrina observa-lo, eu tenho agora imensa vontade de escrever para ele e procura-lo, por outro lado eu também tenho o desejo de sair dessa encruzilhada e andar para frente. Observo meu presente e me sinto dividida , como sempre, ir e não ir, escrever e mandar ou escrever e não mandar, é como se o não mandar fechasse a porta para uma possibilidade. Só que conscientemente sei que essa possibilidade não existe e jamais existiu.
O que vivo agora é a constatação dessa divisão. E quero ser disciplinada para seguir a razão e não a impulsão, ou seja, não mandar a ele o que escrevo, não ligar e cumprir o que disse na última carta. Porém, minha mente fica a deriva e busca formas de tentar entrar em contato, numa obsessão compulsiva. Chego achar que isso é doença, e de fato deve ser.
O pensamento é recorrente, a figura dele vai e vem todo o tempo de minha mente. Estou mesmo procurando desviar, não pensar, mas é quase impossível de fazê-lo.
Procuro então fazer como diz a meditação deixá-lo como nuvem, que ele passa sem que eu dê muita importância. Talvez isso resulte algo mais concreto.
Sei que tudo passa, que já passei por isso antes, mas é insuportável essa sensação. Quero me adestrar, me disciplinar, mas isso não acontece do dia para noite, estou procurando e me educando, educando minha mente para ela não se desviar. Mas a danada escorrega pela minha disciplina.
De tudo, o que quero agora e para sempre é ter força para não retomar o que fazia antes, a compulsão, não dar espaço a ela. Tudo bem que eu escreva, mas não posso mandar,nem retransmitir emails,nada. É o pior exercício, já passei por momentos assim no ano passado e acabei sendo derrotada. Mas agora não quero mais ser derrotada por minha compulsão, quero vencê-la. Preciso vencê-la. Já não suporto mais isso tudo que ocorre no meu pensamento e essa idéia doentia de que ele vai voltar.
É um pensamento de maluco, que briga com a minha razão o tempo todo. Porra, sou demasiado racional para me deixar envolver por isso, que nada mais é do que parte de minha compulsão e desejo. Porém, é um desejo que deve ser reprimido pois só me faz sofrer pois não pode ser concretizado, está sob o interdito dele(objeto do meu amor).
Então o que fazer, além de esperar passar. Acho que é não dar bola e me policiar para não mandar nada.
O mais engraçado disso, se é que posso dizer que tem graça, é também observar a atitude das pessoas em relação as minhas atitudes, todos acham que eu sempre estava errada, que não deveria me expor, nem mandar nada. Que deveria cortar toda e qualquer relação com família etc.Todos acham que exposição faz mal, é falta de amor próprio, eu de verdade não acho isso, talvez as pessoas não sintam a mesma necessidade de expressão. Pode ser.
De qualquer maneira, agora vou fazer o que todos acham que devo fazer, e que eu agora acho, não escrever para ele e não mandar.
Durante esses 2 anos e meio, jamais ele ficou sem uma notícia minha,nem quando estive em outro país . Confesso que no íntimo tem algo(que não queria admitir,mas preciso porque estou me disciplinando a observar tudo, tudo mesmo) de esperança também nessa atitude de não mandar. Olha a mente se adaptando, buscando subterfúgios para não apaga-lo. O que intimamente se passa? Bem, se pelo excesso ele não pensou, talvez pela falta ele pense, ao se ver privado do que eu lhe mandava, talvez ele se manifeste. Homens tem alguma característica nesse sentido, querem caçar e não querem perder. Imagina que eu até, imaginariamente, senti ele mais próximo da última vez , com um olhar diferente. Minha razão me diz que isso é ilusão e que eu não devo acreditar nessa ilusão.
O fato é que estou registrando o que sinto de verdade, se é ilusão ou não, é o que passa na minha mente, e tenho os dois lados para discernir isso. Me deixo enganar porque sou tola, porque vejo as coisas. É o auto engano.
Me passa pela mente; e minhas cartas?, ou cartas dele, que tanto quero.Deveria eu cobrar, ou deixar para lá?. Já cobrei na última vez que o vi.Acho que ele não me dará e não tenho condições de refazê-las. Eu as queria tanto.
Talvez ele saiba que essa é uma maneira de me ter a atenção. Me pergunto, para que que ele as quer?. Para que ele quer algo meu, meus sentimentos naquela carta. Cartas não são nada, ele não as lerá. Para que quer guardá-las?. Não entendo e tenho medo de uma louca mulher dele joga-las fora. Embora saiba que ele não deixará, mas sei lá louco de paixão ele acaba jogando fora.
Ele é esquisito, mais que eu. Eu disse a ele que não é para remoer as coisas que as quero. Ele faz que me dará, mas não se mexe.
Isso me deu uma grande angústia, um grande medo. De qualquer forma, deixa estar, ainda não estou escrevendo disciplinadamente o livro, talvez em agosto, pós tese o faça. Aí verei como recuperar o que é meu.
Foi bom escrever sobre isso, é assim que farei sempre, escreverei e analisarei cada pensamento para mim mesma, e não para ele. Talvez ele saiba disso quando eu publicar e ele tiver interesse em ler. 17/06/2004.


dia a dia
24/06/2004
Nada mais convencional e amedrontador do que um dia após o outro quando buscamos esquecer, quando temos que deixar de lado um grande amor para podermos prosseguir.
O doloroso está em a todo momento buscarmos um outro sentido que seja diverso daquele que foi intencionado por você quando junto, quando casal. O ter que refazer os projetos , ter que olhar para frente, sem o outro ,é como se nos tivessem tirado , propriamente uma parte.
Talvez existam pessoas que pensam e pesam isso diferente, que não dão tanta importância . Porém a maioria das mulheres age assim, talvez porque as mulheres tenham mais apego ao lar, a continuidade das relações, ao companheirismo, a tudo e não só ao sexo. O fato é que para mulheres certos dias de melancolia profunda são mais desesperadores que outros.
Nossos hormônios nos encaminham para esse confim de desestruturação pessoal. Vemos tudo com olhos tão minuciosos, tão sensíveis que chegamos nos achar exageradas diante do resto dos outros seres.
Nesses dias razão não existe, somos pura emoção, ilusão e dor e até anúncio de margarina nos faz chorar, já disse alguém. Mas o que fazer? É coisa da vida, da existência, e temos que mesmo deixar passar, sabendo no entanto o que nos faz sentir assim. São épocas, que nos levam ao caos e muitas vezes tomamos atitudes precipitadas por isso.
Por mim, sei que ajo mal, e sei que já fui capaz de coisas que não deveria nesses dias. O que fazer então? quando a vida ou as pessoas se aproveitam dessas decisões de precipitação. Não posso mais nada fazer, o exacerbar de uma emoção me fez passar e sentir o que ora vinha sentindo. Só que agora tenho mais consciência de tudo. E na realidade, só me resta mesmo esperar o tempo passar, esperar o dia passar e esperar o amor passar para poder amar de novo e finalmente exercitar o aprendizado do amor.




Aprendizado do amor 24/06/2004 Eu nunca soube amar, e só agora já balzaquiana fui capaz de descobri isso. Pensando bem, eu nunca soube me relacionar porque sempre esperava muito mais das pessoas e de mim mesmo. Em todos os relacionamentos tive momentos de crise, tudo bem, isso é comum, entretanto, em tais momentos, quando meu sofrimento despontava e eu jamais soube o que acontecia comigo. Sentia o outro longe, distante, não mais interessado, só que na verdade isso se dava comigo e não com o outro, o outro sempre soube que existe diferença entre as fases de um relacionamento. Mas eu, eu não sabia. Pensava que tudo deveria ser igual o tempo todo. Magia, sedução, paixão durante toda a vida só que não é. Ou melhor, não é da forma que eu esperava. Existe sim, todas essas coisas, mas não com a intensidade absurda do que vai acabar amanhã. Como a explosão de uma estrela com luz irradiante de mesma força todo o tempo.
Para chegar ao que de fato existe é preciso tempo e atenção. A atenção é fundamental, já nos diz o Buda , é preciso que estejamos atentos sempre, para perceber que tipo de relacionamento é o nosso, que tipo de amor estamos tendo, e ao sabermos isso sabemos tudo, temos a condução do nosso agir.
O que importa num amor, não é só de fato amar, mas saber amar. É o que poucos de nós sabemos. Falamos muito nisso, esbanjamos livros e doutrinas, mas não aprendemos.Lemos muito mas aquilo não entra na nossa mente, simplesmente porque nossa sociedade há milênios prega o amor diverso daquele verdadeiro, puro ou artificial, depende do ponto de vista,pois se civilizar-se é criar uma existência diversa da natural, então também o amor que conhecemos não é o natural, mas apenas mais uma forma imposta pela civilização.
Na verdade, o que nos interessa é o amar e ser amado, e o sentido que damos a isso em nossas vidas, somado a importância do estar junto.
Tem gente que não sente essa importância, prefere outros bens, tem gente por outro lado, que só pensa nisso : como amar e ser amado. Talvez esses sejam dotados de uma carência infinita, que nem a psicanálise daria conta de explicar, porém se prestarmos de fato atenção veremos que grande parte da sociedade moderna busca esse amar e ser amado.
É uma necessidade tão forte que se mistura às necessidades biológicas e fisiológicas , como o comer e o beber que são fundamentais para o sobreviver.
Assim, como é tão difícil de se ter é tão difícil de se compreender. Já diziam: a dor do não saber é pior do que a própria dor do sentir. As interrogações ferem mais, doem mais do que a certeza e a negação, assim como o desprezo fere mais que o ódio.
Enfim, sejamos assim mesmo eternos pensantes de nosso próprio sentir.
Descontrole 1/07/2004 Naquela manhã ela acordara cedo, o dia estava lindo, cheio de vida e com a vida as lembranças e saudades. Pegou o telefone ligou e escutou a voz de seu desejo sem controle, mandou-lhe mas uma vez, uma mensagem. Mas uma para a sua coleção de mensagens não respondidas.Deixou estar, foi para a vida, se movimentou e agiu. Fez seu dia belo, mesmo sem estar com quem de fato queria.
Na outra manhã o mesmo aconteceu, certas fases do mês quando o controle se torna mais complicado de ser exercido. Não ligou para casa, dessa vez foi para o trabalho, ninguém respondia, ressaca da derrota do time do coração. Ela precisava escutar aquela voz, mesmo para nada falar, apenas para escutar a simples palavra, alô. Ela sabia que isso era uma compulsão que ele poderia desconfiar, mas homens são meio dementes, não associam muito, o que dava a ela certa folga, e certeza do anonimato. Um erro dos sistemas de telefones, ligações perdidas, quedas de linha. Tudo isso ela sabia que pouco acontecia, mas rezava para o outro não achar o mesmo. Pois só assim poderia continuar ligando sem medo de ser descoberta por ele.
Racionalizando não sabia até quando isso continuaria. Tocava sua vida mas isso a acompanhava.Sabia não sofrer mais como antes, mas isso ainda era um entrave. Sabia que ele jamais a procuraria, mas no fundo ainda sonhava e desejava aquele homem como no primeiro dia. O que fazer se o problema não depende de nós para ser resolvido. Esperar passar, nos dizem todas as forças do universo.


Cicatrização
26/07/2004

Quando estamos em processo de cicatrização, toda volta para casa depois de uma viagem é sempre meio dolorosa. Dolorosa porque quando estamos passeando esquecemos nossas dores latentes e olhamos o mundo com outro colorido, disponíveis para qualquer atividade, para qualquer coisa que nos possa entreter, porém quando retornamos percebemos que a vida não tem, no dia a dia, todo aquele colorido das viagens, ela tem cor, é fato , mas na viagem sua cor é mais forte.
O encontro com o cotidiano nos faz sentir tédio quando não estamos principalmente, amando. Amando que eu digo é amando e sendo amado, sim porque pior que tédio do dia a dia é o amar e não ser correspondido.É uma barra. Queremos aquele “um” a qualquer preço e ele não nos quer. Que fazer?
Aí, são sabias as palavras que dizem, espera que o amor cicatriza.
Será que o amor cicatriza?. Começo a achar que sim. Cicatriz não some, fica ali para toda vida, com um tratamento ela atenua sua forma, mas não some . Deixa de sangrar como ferida aberta, mas se mantém sempre latente. E quando algo acontece, que te faz olhar para a cicatriz , ela às vezes lateja.
Latejar faz parte do processo de cicatrização, não escorre sangue, jamais escorrerá,mas faz da gente refém de uma marca imortal.
Um dia quando criança cortei o dedo de uma forma muito profunda. Tinha uns sete anos, abriu-se em meu dedo um corte que quase retirou sua ponta. Tal corte demorou a fechar, cicatrizou mas a marca jamais saiu. Toda vez que olho minha mão lembro do que foi aquela marca. Assim, como eu vinha dizendo, é a dor de amor. Ela fecha, cicatriza e nós não mais choramos a toa por ela. Entretanto, ela não nos abandona. Ser apaixonado por alguém que não nos quer é como ter cicatriz em uma parte do corpo a qual olhamos todos os dias.
Achamos que temos tudo para fazer aquela pessoa feliz e nos fazer feliz ,mas a vida nos separou e nos resta apenas a cicatriz, somos obrigados a conviver com ela.
Certas cicatrizes demoram, mas o tempo apaga. Porém outras que rompem as fibras da pele não são jamais apagadas, embora lutemos com a cosmética para que isso aconteça.
Acho que o legal é você ter cuidado para não ferir no mesmo lugar, porque aí sangra por demais ,é ponto mais sensível. Por isso devemos pensar muito no que ocasionou a cicatriz e avaliar e analisar para não nos ferirmos de novo. Não repetirmos os mesmos erros que nos conduziram àquelas marcas.
Bem, eu sou assim, minhas feridas demoram para fechar, demoram a cicatrizar e sempre me deixam marcas profundas. Porém sempre tenho esperança de corrigir os erros que me trouxeram aquelas marcas, elaboro, elaboro, elaboro, mas infelizmente a vida nem sempre me dá a chance de acertar com a mesma pessoa com quem errei. Paciência, agora espero chegar o dia em que não quererei mais isso.


Caixa de emails
28/07/2004
Dia de limpeza, ela abre no seu computador todos os programas que jamais abrira, todos os out look que anteriormente recebiam suas mensagens e pelos quais ela resolvera enviar algumas que nunca conseguiu.
Se depara de repente com algumas mensagens do seu antigo amor. Emails impessoais do ano em que se separaram. Quanto tempo já faz. Lembrando por baixo já se tem dois anos e meio, ou mais precisamente, dois anos e quatro meses. No último ano ele nada mandou. Ela estava distante, em outro continente e ele, nunca lhe respondia às cartas ou mensagens. Uma grande ausência daquele que ela julgava ser seu par inesquecível. Porém já não podia mais estar assim. As mensagens lhe fizeram ver o passado, a dor, mas não sentia raiva daquele ser. De alguma maneira sentia que ele ainda estava perdido, desorganizado em sua existência. Será que algum dia se organizaria. De certo ela não estaria junto para vê-lo se organizar. Não porque não quisesse, mas por que ele não queria.
Chegava a pensar que o natural dele era ser esse ser atípico, desterritorializado, desorganizado, triste. Esse era o seu normal. Ele sabia o quanto era desordenado, o quanto aquilo atrapalhava sua vida mas não sabia como resolver, não ousava. Jamais ousou, e apesar disso, como ela podia amá-lo tanto, mesmo sabendo de seus defeitos.
Talvez por isso ela o amasse pois achara alguém normal, alguém que não era mais idealizado por ela, que não era perfeito na sua imaginação. Tinha sim defeitos e muitos, mas tinha também qualidades que ela agora sabia ver. Parâmetros, são sempre importantes para vermos o que nos cerca. Sem eles somos forçados a aceitar e a se acostumar, as vezes, com o que existe de pior. Ao contrário também, só vemos o bom quando observamos o que existe fora do que vivemos.
Assim foi com ela, não que ela pudesse dizer que era feliz e não sabia, não é isso, porque quando se foi estava tudo muito ruim, muito triste, muito amargo. Porém com o tempo e a compreensão ela sentiu que se precipitou e aí era tarde. Ela queria corrigir, mas ele não a queria. A todo momento, ela se repetia isso para não cair na tentação de retroalimentá-lo dentro dela. Para não viver acossada por uma esperança que ela não sabia da onde vinha.
Nessas mensagens guardadas ela viu o quanto ele lembrou decompromissadamente dela, lembrou sem que a lembrança fizesse qualquer diferença para ele. Ele no fundo era frio, independente, egoísta, ela sabia, mas isso não eliminava o que ela sentia. Sempre soube disso, só não sabia da imaturidade dele, da falta de atitude e de humildade para dar uma nova chance a ela.
Ela agora não mais escrevia para ele, ele continuava a mandar email coletivo, para ela e toda a torcida do flamengo, ela não respondia mais. Nem repassava qualquer outro email que recebesse. A última carta fora conclusiva, ela sabia que devia se segurar, se limitar, não procurar, não lembrar, não pensar, ela sabia tudo, e também só ela sabia o quanto executar isso lhe era difícil . Pensava ligar e desistia na hora, milhões de vezes, milhões de desistências no meio do caminho. Talvez ele percebesse, talvez não, como perceber, sem a identificação numérica, ela se sentia segura, mas se ele tivesse o identificador . Ela estaria ferrada. Mas que fazer. Jogar com a sorte?. Se o desejo de ouvi-lo é maior, brinca-se com a sorte.
Aquela ferida estava cicatrizando, mas ela mesmo assim sabia que era culpada pela lenta cicatrização. Ela sabia que no fundo ela ainda o esperava. Só alguém para retira-la desse dilema, dessa inércia. E enquanto esse alguém não surgisse ela se contentava em ir vivendo, ir criando e se acostumando a gerir sua vida sem estar apaixonada e sem ser alvo da paixão de alguém. Sentia-se melhor quando amava e era amada , mas a vida não é o que pensamos que ela é.
E ele não a quer, e disso ela tem sempre que ser lembrada, para pedir que a ferida se feche, cicatrize e ela possa enfim viver bem e ser feliz, mesmo sem ele.



Desespero atemporal
6/7/2004
São duas pessoas as que habitam a minha mente perturbada .Mente de mulher, é bem verdade. E tenho dúvida se homem se perturba assim quando está se curando de um amor. Homens são mais práticos nesse sentido, se deu, deu, se não deu, adeus. É, invejo essa capacidade de se desvencilhar das mulheres. Para eles a coisa se resume a mais um corpo e basta, substituem sem problemas uma por outra e bye bye. Talvez eu tenha sido exagerada, pode ser que tenha homem diferente, mas, dei o azar de cair na armadilha de um que era exatamente assim. Na verdade, homens são rígidos demais, e por isso inflexíveis, é característica Dele e deles. Mas não quero constatar o que todos já constataram, quero falar do desespero que se estabelece de vez em quando. Tenho prestado atenção aos sentimentos como jamais o fiz e percebo que vem chegando o fim do processo de cicatrização, quando nem mesmo a presença Dele mexerá com um músculo sequer de minha face. Esse é um glorioso momento, já acontece, findou-se a ansiedade, a dor no estômago, a dor posterior. Tudo parece enfim estar adormecido. Porém tem dias que parece que o quadro se reverte, já tive isso antes.
E percebo agora o quanto ele anda sobre a minha cabeça, indiferente, (e já teve tempo de eu achar que isso poderia ser algo de positivo que ele sentia) e digo, se existe justiça divina esse indivíduo ainda sofrerá muito de amor, para aprender a ser mais gente e menos insensível. A praga é minha e de qualquer mulher.
Isso ela dizia, foi assim, dessa forma ela pensava enquanto caminhava pela rua depois de um encontro inesperado na casa de uma pessoa amiga. Sentia-se bem, no entanto o homem não se aproximava, ao contrário chegava a fugir, como num desespero de quem deve algo e teme ser um dia cobrado, como um devedor de agiotas que sabe ter a vida marcada com aquela eterna perturbação, até a morte.
Mas qual seria a dívida dele? ela se perguntava. Ele foi quem jamais questionou a decisão tomada, mesmo não tendo sido Ele o tomador, mas era cômodo não decidir e deixar que ela decidisse . Sentimentos não contavam para Ele, ela pensou, planos, Ele não os tinha, pois tinha assimilado os dela, vida com toda sua complexidade, Ele também desconhecia, não fora acostumado a isso, a pensar sobre o que sentia e a tomar pé dos seus sentimentos.
Mas que espécie de homem era ele? um abjeto de uma sociedade corroída pelas desilusões. Um ser que suprimia sua dor e sua alegria pois não gostava de mostrá-las, um homem que se via diverso na frente do espelho, ele via o que ele não era e agia como se fosse.
Suas conversas eram torpes, falsas, porque ele não se sabia quem ser. E ela, ela justificava tudo, tinha milhões de razões para desculpa-lo. Mas para que desculpa-lo? Chegara a hora de enfim condena-lo dentro de si. Já passara o tempo, estava cansada demais para lutar, exausta para compreender o que não tinha compreensão, e alguém lhe disse, liberta-te a ti mesmo, liberta teu sexo que tua libertação mental aparece, não guarde para ele o que ele não quer e nunca quererá porque simplesmente não sabe, nem saberá o que é querer. Deixa dias e dias que nada aconteça e de repente o dia chegará e verás que ele não passará de um nada, uma vaga lembrança,sem esperança e desprezível como todas as outras que já se foram com a mesma dor.
Enfim, tudo é uma questão de ter dor e saber da dor que se sente e deixa-la simplesmente,passar.

domingo, 9 de novembro de 2008

Encontro com Clarice

Quando encontrei Clarice, ela não estava na sua melhor forma. Tinha se desgastado muito, vivia confusa e isso transparecia o tempo todo em tudo que dizia. Sua face era cortada, mas tinha um ar de desilusão, um quê de não compreensão.
Não tinha o mistério que eu esperava, mas tinha a sensação de inconformidade, de inquietação.
Eu tinha 24, ela não sei quanto tinha, mas nos demos bem, muito bem. Em pouco tempo passei a tirar dela tudo que precisava para minha existência tumultuada. Tudo que ela me dizia, era como se eu mesmo tivesse dito, eu mesmo tivesse constatado.
Ficamos amigas, embora certas horas isso me custasse um desnorteamento.
Minha mente cartesiana, se convulsionava, com seus pensamentos que eram os meus. Seus amores invisíveis eram os meus, todas as dores que ela tinham pareciam e eram as minhas. Eu ao mesmo tempo que entendia, não entendia, mas estava ali. querendo vivê-las.
E foi, tempos mais tarde, quando tudo retomou o eixo convencional, me senti menos amiga, mas não menos cúmplice dela. Afastei-a temporariamente e elegi novos amigos, mais tradicionais, menos bipolares, mais centrados na vida e menos no que é a vida. Questões práticas me cooptaram.
Existência com grandes sentidos e sem sentido. Discursos de realidade mas não menos de dor. Fui.
Esqueci nosso contato, perdi seu endereço. Caminhei anos a fio sem lembrar que ela estava ali. Longe e ao mesmo tempo perto.
Hoje vi sua foto. Sua imagem me fez recordar e me fez pensar . Me fez finalmente lembrar que eu estava ainda no mesmo lugar que a tinha deixado.
Abracei-a com força.
Ventilador mental


Pleno silêncio de vozes, somente o ruído do vento do ventilador para aplacar o calor em que vivemos. A persiana balança com a brisa que vem da rua mais que não é suficiente para refrescar.
Também os pensamentos são aquecidos nesse clima intenso de verão, mas entendo que ter pensamentos aquecidos pode não se a melhor coisa da vida.
Rodeios e mais rodeios para tentar entrar num tema que não sei ao certo qual é. Preciso de um tema para poder escrever, ou não preciso? Sempre que tenho o tema nada me ocorre para falar e sempre que não tenho também. Talvez mesmo eu não devesse escrever. Porque se não tendo não consigo e se tendo também não consigo, então pra que gastar meu tempo tentando?
Mas eu quero escrever. Meu medo é de escrever sobre mim, embora toda vida só faça isso. Mas quero escrever para ser lida, e fico pensando que escrever sobre mim para ser lida talvez não fosse a melhor coisa.
Conheço muita gente, ou acho que conheço, uma média de 300 pessoas a cada 6 meses, pessoas que comigo convivem uns 4 meses e se vão. Pela média é quase impossível que eu guarde seus nomes e todas as fisionomias, mas certamente eles guardam a minha, isso se não forem muito distraídos. De qualquer maneira é um número muito significativo. Sinto que devo transmitir-lhes algo, além do que é mandado, e tento isso, embora só pelo contato semanal possa muitas vezes ser um pouco complicado;mas não é impossível. Não quero com isso ser diferente porque acho que todos que lidam com o público tem um pouco essa vontade. Mas queria que a mensagem passada surtisse um pouco mais de efeito no que toca a visão da coletividade. E isso, esse efeito, acho que minha mensagem não leva. Talvez quando fazemos alguma leitura diferente isso ocorra,mas mesmo assim não tenho tanta certeza. Se conseguisse passar uma, somente uma preocupação com algo diverso do conteúdo, acho que já me sentiria contente.
Mas por que sinto tanta vontade de escrever ? Talvez por saber que meus anseios sejam os mesmos de muita gente.
Não busco conselhos nem os quero para mim. Sei que a tentativa é tão somente de dizer.
Dizer, sem que o que diga seja visto com um juízo de certo ou errado.
Na verdade, o que digo, digo porque tenho que dizer e não porque nisso tenha algo demais para ser dito. Nada de importante.
Essa voz que me diz para dizer algo então se confunde um pouco com o que sou. Vejo o mundo sob minha ótica e não consigo fugir dela. Minha história foi inventada por mim e por mim vivida. A interpretação que fazem dela pode ser variada ,mas importa para a minha escrita a interpretação que eu faço da história que fiz e que acredito.
De tempos em tempos minha interpretação de minha história muda. Os fatos não mudam, mas o que deles entendo, muda sempre. Muda também meu grau de ilusão diante dos fatos e a leitura que faço de quem com o fato estava envolvido.
Então pensando assim, acho que cada ser humano tem a cada época leituras diversas de sua vida.
Com isso, poderia até experimentar marcar leituras de vida a cada seis meses, para comparar seus pontos de mudança e de semelhança. Nos surpreenderíamos com a forma como isso muda.
Seria mais ou menos como um mito e suas releituras de tempos em tempos.
Não sei como se chama essa forma de se interpretar a própria vida, mas sei que ela existe. E então quando me ponho a reler minha própria vida me ocorre vários e vários buracos no pensamento, buracos de mim mesmo, talvez, lacunas de interpretação que eu não sei como tampar. Ou sei, criando para elas outras histórias.
Ter nascido num ano que não terminou, por si só já carrega uma certa sensação esquisita, mas isso é uma história que não é a minha, sendo. Porque acontecia enquanto eu nascia e a energia disso de certa forma perpassa. Poderia dizer que isso é causa de certo olhar triste que as vezes me ocorre mas seria simplificar demais.
Vou adiante, ligo a TV e aparece um trecho de um poema de Manuel Bandeira dizendo “deixa teu corpo, os corpos se entendem, as almas não”. Não fosse isso casual eu diria que foi o enredo. Na verdade foi mais que o enredo, ele mesmo foi música de fundo, várias vezes declamada,sem que eu desse conta do seu pleno sentido.
Rio de Janeiro,11/3/07



Rocha

Quando vi você pela primeira vez, julgava que você era quem não era. Isso parece Florbela Espanca, mas não é.
Pensei que te conhecia, anos e anos. Achava que aquilo que meus olhos diziam, e que minha pele via era além do que eu poderia saber.
Desafiei. Pensei nas falésias e em seu cânion, sua profundidade que levava ao centro da terra. Movi discurso e fiz você me ver.
Venci. O centro da terra não é difícil de se ver, mas é difícil de se tocar, ainda mais de permanecer.
O centro, como todo centro, é no meio e pelos lados possui muitas reentrâncias, que são de tal maneira fechadas de matéria bruta, de algum minério desconhecido , muito duro.Levei minha química de derreter minérios, ela pareceu que ia bem, e foi, diluindo,diluindo, até que num momento parou. Encontrou dentro do minério uma parede ainda mais dura. Solo feito de camadas, camadas de elementos diferentes, algumas mais moles outras mais duras. Refiz a química, testei as substâncias e recomecei o processo de perfuração, talvez precisasse de uma broca. Mas não tinha força para manuseia-la.
A rocha não cedeu, rígida, de um material desconhecido ela continuou imune, convicta, sem sentido, mas dura, forte, impenetrável.
Pedi as forças, perdi todas as forças de combate, estava completamente sem. Parei. A rocha mais uma vez venceu, me pergunto pra que. Pra que ser tão dura, tão impenetrável. Acho que jamais terei a resposta





A Visita


"Mentir toma a herança da reflexão, resume-a e faz uma realidade a partir da liberdade que a reflexão conquistou”. “Mentir é adorável se o escolhemos, e é um componente importante da nossa liberdade” (Hannah Arent)

Mas ..., perguntou-lhe surpreso quando a viu na sua porta de beira de rua .
Nada, isso não é nada, eu sou ninguém, resolvi apenas fazer uma visita. Posso entrar?
O olhar austero do homem denotava sua inquietação diante da visão e da resposta.
_Sim, não. Entra, estava de saída ele falou achando que isso espantaria a visita.
Não espantou. _ Tudo bem? é rapidinho, só passei por curiosidade, para saber como estava, para ver a casa, na verdade.
Meu interesse sobre arquitetura é grande, e além do mais , quantas vezes ouvi dizer desse espaço, mas do que poderia.
Pois é, como está aqui? Ou melhor, como tá? repetiu a fala tantas vezes dita.
Soube que tinha mudado, vi a luz acesa outro dia quando passei e resolvi vir vê, fiz mal?
Se adaptou bem? Aqui é longe, todo comércio fica lá em baixo, as vezes tem que ter carro. Mas ladeira é bom para tirar barriga ou para torna-la mais musculosa, já que você não tem.
E o trabalho? tá legal? E a pesquisa?.
Todas as perguntas surgiam naquele momento para evitar o constrangimento da visita inesperada. o silêncio.
Tem água, vim caminhando... tô com um pouco de sede.
Os olhares não se cruzavam.
Pensou que talvez tivesse feito besteira, para que ir lá, para que ceder a curiosidade. Já fazia tempo que não o via, mas que também não parava de pensar.
Vivo aqui perto, 5 minutos a pé. Ele olhou-a temendo que as visitas fossem acontecer com mais freqüência. Pensou: seria ela capaz?
Sua face ruboresceu, lembrou do desabafo dela tempos atrás, sentiu raiva e sentiu-se mal. Sua covardia o tinha impelido para aquela decisão. Estirpar aquela semente antes que ela começasse a brotar, e assim tinha feito.
Mas e agora aquela visita. Visita inesperada, visita intempestiva.
Vou dizer que estou trabalhando, não posso dar atenção. Mas porque fugir assim?
Por que esse incômodo diante dessa situação.
Eu quem a mandei ir, eu quem determinei, como sempre determino.
A cabeça confusa, girava, com sensações difusas.
O instante demorava horas a fio, medo, náusea, ficou calado.
Bem, melhor eu ir, já tá tarde, ainda devo caminhar meia hora.
Tá bonito, gostei de te ver .
Até, ciao, partiu.

sábado, 18 de outubro de 2008

Querida Virginia,



Finalmente assisti ao filme que leva no título o seu nome. Quem teria medo de você?Boas atuações.Interessante. Reflexões, verdades, mentiras etc e tal. Você já falou dele várias vezes, dessa vez me pergunta se assisti.
Pergunto se você se identifica com aquele casal. Se identifica? Talvez “em algum lugar no passado”? Hoje não pode, exceto o fato de querer achar identificações para mover a coisa, te mover e mover os outros.Sei lá.
Sou mais o professor viscontiano, ou viscontino, aquele preso num cristal do tempo...(deleuziano?) que se esborracha no final, mas com muito mais tesão, diga-se de passagem, tesão recolhido... que é mais intenso, eu que o diga.
Existe até direito das coisas, sabia?
Mas não é isso que eu queria falar, cara Virginia. Tudo aquilo, no filme, é um grande jogo, auto-destrutivo, talvez, mas também necessário para a vida deles. As vezes a vida cai numa mesmice, extremamente previsível que as pessoas começam jogar para que algo novo surja no campo da ação. Não no campo da idéia, porque essa é imbatível, tudo pode prever e imaginar, ou não?
Nossa mente prevê tudo, imagina tudo, então não tem surpresa para ela, “a realidade não pode oferecer nada de novo;a reflexão já antecipou tudo” Já diz Rahel Varnhaguen por Hannah Arend.
Por outro lado Virgínia, será que você joga a bola para o outro, fazendo com que ele fique o tempo todo pestanejando, refletindo sobre o que você fala, como que querendo ver nele o que você diz?
É como se sua voz fosse a voz da autoridade, cara Virgínia, a voz de uma grande escritora, que vai fundo na mente humana, que supõe ir fundo na mente humana, para desvendar-lhe o grande e mínimo mistério. Ou você quer jogar?
Só que, cara Virginia, você se irrita. Se irrita porque encontra uma mente muito ingênua, pura às vezes, uma mente que por mais, que tenha vivido não se deixou contaminar. Uma mente romântica sim, que exalta até mesmo os ideais disso. Sem medo.
Ingênua porque não alcança as coisas como realmente são, ou porque mesmo alcançando não se importa de ser assim?. Com 20 anos, como diz você, querida Virgínia.
Mas e daí que seja assim?. Por que você fica vermelha e repete isso, querida? No que mudaria o fato de ser essa mente amadurecida, velha, sagaz, maliciosa, jogadora?
Acho que certamente, mudaria que seria outra pessoa, não eu. Aí, não teria o riso excessivo,o ritual, as brincadeiras, as infantilidades, os “pitis”, todo o especial meu.
Você, linda Virgínia , fala com veemência que eu minto, que se não minto consciente, minto inconsciente, só se for, porque eu não gosto de mentir, me agride. E o que é inconsciente não nos pertence, a não ser que o tenhamos revelado um dia por nós mesmos, pois mesmo revelado pelo outro , se não estamos preparados para ouvir, não ouvimos, não adianta.
Dizer que eu minto, me fere, como fere a uma criança, que é ensinada a não mentir sobre as coisas, e quando julgam que ela o fez e ela não fez, ela chora, porque não consegue se defender num mundo de adultos que sabem tudo, ou julgam saber.
A mentira pode ser legal. “ mentir toma a herança da reflexão, resume-a e faz uma realidade a partir da liberdade que a reflexão conquistou”. “Mentir é adorável se o escolhemos, e é um componente importante da nossa liberdade” (HA)
Mas eu não estou fazendo isso, eu não estou mentindo para você minha querida Virginia.
Embora eu ache que você queria que eu estivesse. Mas sobre o que acha que eu minto?
Às vezes, se recusa a ouvir o que eu falo, que diga respeito ao passado. Tudo bem, já foi. Mas nesse caso . Ele foi quem ditou o presente, infelizmente. Se não fosse a imagem dele, e tudo que ficou lá trás, nada ocorreria. Mas já foi, não interessa.
Virginia, você não gosta de falar disso, não te interessa . Eu não entendo muito isso, porque, como romântica, gosto do passado, vivo das idealizações, chego até ao cúmulo de deixar nesse campo a ter que concretiza-las, mais romântica impossível. Porque sei que a realidade nunca chegará aos pés do que imaginei . Como o amor romântico que liberta o amante da realidade da sua amada.
Doce ilusão a minha? Não, eu sei que a realidade não chegará, que os homens nunca serão bons suficientemente para alcançar o ideal. Eu sei, eu não estou iludida. Convivo com isso o tempo todo. A humanidade é cruel, os seres são medíocres, não vão além e talvez eu é que seja simplória.
Mas não me importo, jamais me importei. Será que foi a proteção, a ingenuidade da criação que me fez ser assim, mas todos junto comigo o são. Todos são bons, não procuram ver o lado ruim das pessoas,acreditam sempre nelas até que se prove em contrário. Vêem a vida desse jeito, “cor de rosa” apesar de tudo.
Apesar de não sermos ricos, de não termos freqüentado as melhores escolas , de termos grande deficiência em nossa bagagem intelectual, lingüística , de não termos freqüentado maravilhosos lugares, ou ido a restaurantes ótimos, ou termos amigos milionários, ou grana para fazer qualquer coisa.
Sou assim. E o que importa eu ser assim, para o contato que temos? Você quer que eu seja diferente, por que.?
Por que incomoda? a ponto de ficar falando e me cobrando isso.
__Você vê a vida sob a sua ótica. E acha que todos agem, julga todos sob sua ótica.
Mas todo mundo vê assim? Ou não. Talvez eu seja mesmo narcísica. E você tenha razão.
Cada um pela sua própria ótica, querida Virginia.(talvez com influências...mas)
Eu não pego emprestada a visão do Sartre, do Nietzche de qualquer um para ver a vida. Pego a minha, é mais fácil .
E eu não tenho o dever, ainda bem, de ter que ficar discursando o tempo todo. Eu posso tirar a máscara e ser eu mesma quando quero. E posso falar a besteira que quiser quando quero, sem medo de que fiquem me avaliando, se o que falo condiz com minha imagem e meu currículo lates.
Eu estou me lixando para isso.
Eu não tenho que representar na minha intimidade com alguém, quando vou com alguém para cama,nem quero que representem para mim. Eu não vou para cama com o currículo lates de ninguém. Nem fico tirando as comprovações do que ali está.
Eu quero continuar sendo simples, sendo eu, e poder desfrutar isso com as pessoas que gostam de estar em minha companhia, Virginia você entende isso?
Quando falo que mentiram para você, confesso, nem fui eu que disse isso, Eu copiei. Como no filme, “de onde é essa fala?” Copiei e falei, confesso, jamais eu pensaria isso das pessoas e não pensei, meu amigo falou isso para mim, e eu repeti, e achei que tinha surtido um impacto. Aí repeti mais vezes. Porque também achei que tinha um pouco de sentido pelo contexto que você falava. Conhece o verbo latino “putare”. Muito usado no direito. Eu, de tudo aquilo que você , amiga, falou, só me lembro mais da contestação quanto a verdade. Que eu minto e que sou ingênua. Já expliquei os dois. Mas não minto.
Posso não saber o que faço e quero, não saber mesmo. Não saber o que quero, nunca soube mesmo e aprendi a viver com isso,sem ficar me questionando o tempo todo. Sou a dúvida em pessoa. E não preciso está com tudo decidido sempre. A vida não precisa que sejamos sempre decididos. Que tenha todos os modelos pré-determinados. O que tenho que arranjar, arranjo, o resto, deixo acontecer. Não tenho que decidir o que vou fazer antes da hora certa. Eu não posso mudar a moira . Se tiver que ser qualquer coisa, será, não será minha decisão que influenciará o trâmite normal da vida. Quem sou eu para impedir que chova sobre mim, quero mais é que venha uma tempestade para que esse guarda chuva chinês vagabundo se quebre inteiro.
Eu posso oscilar, eu posso ter dúvida, eu posso querer e não querer ao mesmo tempo. Eu posso estar presa e querer ser solta, e posso estar solta e querer me prender segundo depois.
Eu posso amar e odiar no mesmo minuto. Eu posso urrar de tesão ou morrer de tédio um segundo depois. Sou livre, Porra!!!, isso é muito bom. Não estou presa a nada. Sabe o que é isso? Ninguém depende de mim. Posso ir onde quiser com quem quiser. Eu não dependo de ninguém também. Exceto da minha vontade. Nem mesmo do meu tesão sou escrava. Posso até dizer que sou , mas não sou.
Mentiras e verdades sobre sexo... Não respondo pelos outros, embora possa achar algo, mas com base em mim, lógico que é assim. Se você, querida Virgínia , elas, eles ,tiveram muitas vivências, fizeram de tudo nesse campo. Muito bem. E agora só o trivial básico . Ótimo!!!. Tem todo direito.
Cada um faz o que quer. Mas também não me peça para querer só o que você quer. ai vc estará impondo a sua vontade sobre mim. E isso não é justo. Cadê a liberdade de expressão e ação . Vou impetrar um “habeas corpus” .
Eu posso aceitar o que você quer, e aceito, quando quero. Mas não pode me impedir de querer mais. Entendo o jeito seu. Compreendo limitações. Também as tenho.
Outras horas parece que você quer me atingir de alguma maneira. Parece que tem culpa, uma ação estranha ,sei lá que diabos é . Diz que não há interesse, que se dane o meu prazer complexo, que gosta do simples, poderia não fazer nada, que vou e venho porque quero, que não quer ouvir reclamação, que é melhor não falar, impede que eu fale, inibe minha fala. Não inibe meu movimento.
Serei eu uma eterna insatisfeita?
Não quero nada de ninguém, não peço nada para ninguém, que mudem ou qualquer coisa. Mas também não quero que me peçam para deixar de ser quem eu sou.
Será que era isso que você queria, amiga Virginia, que eu falasse isso tudo que ao vivo, não consigo.
Na verdade, “ estou mantendo uma bela função aqui; o que estou realmente fazendo é escrever uma desolada carta (...) ; foi só isso que me restou, isso! Mas fique calma, estou escrevendo apenas para mim mesma, não para você. Estou apenas lhe mostrando o que me faz sofrer... o que me fez sofrer, sem pretender” (HÁ)
Como em tantas outras vezes, amiga Virginia, em que te escrevi e não mandei, ou se mandei depois recuei, hoje, eu mando e digo que não tenho medo de Virgínia Woolf.
Até porque nas cartas “a manifestação desinibida, a indiscrição franca se não é endereçada a posteridade é a um ouvinte real que anônimo, como se não pudesse responder”(HA)

Querida Virginia, tenho dois ouvintes, como disse, primeiro eu mesma narcísica eu???imagina!!!), depois um anônimo que não tenho idéia, que conheço sem conhecer, sabe como é?
Talvez eu conheça o amigo do que eu não conheço.
Sei lá. Tudo uma grande confusão de conhecimentos. Será que as palavras são inimigas do sentido e do conhecimento?
Deixa pra lá... Gosto mesmo é de comer chocolate.

sábado, 13 de setembro de 2008

Ninguém

Nome não tenho e identidade é híbrida, devo ser mais um personagem pós-moderno. Até mesmo para “desencanar” preciso de algo que vá além de minhas vãs explicações, sem sentido.
Sou ninguém. Por isso posso me dar ao luxo de falar sem perturbações sobre o que quero falar.
Loucos , estão todos loucos, só não dá para saber na primeira vez.Parecem normais . Mas se cutucamos surge aí um universo de configurações e simbologias e histórias mal contadas um verdadeiro sem sentido .
Eu sou assim, isso, ninguém em busca de uma vida que eu suponho que conheço.
Meu método é simples, tudo para não me fazer pensar coisas em vão. Não saio do esquema que criei.
Minha mesa tem meus papéis, que ordeno do meu jeito . As coisas são como são , pelo menos essas que eu lido domesticamente, mas as outras coisas, posso com elas fazer o que quiser, compreender como quero e nisso implica em achar que sei tudo que passa na cabeça de alguém.
Acordo cedo na maior parte dos dias, tomo meu café e começo minha atividade diária de ler e escrever. Leio mais que escrevo. Faço disso meu ganha pão.
O que penso é sempre interessante, não fujo a regra, minha capacidade de pensar é algo que eu de fato prezo na minha existência. Penso sobre o que os outros pensaram. Mas não penso sobre mim.
Sim, porque não há coisa que não tenha sido jamais pensada.
Penso muito, só penso.
Vida corre do lado de fora, carros, ônibus,metrô. Habito um lugar inóspito para o meu padrão de pensamento .
Mas tenho me acostumado com isso. Antes era diferente. Mas agora melhor que seja assim. Espaço não é tudo, mas me contradigo quando falo sobre isso.
Saio e volto. Não tenho espaço fixo. O que tenho são os livros, que são meus e deles sinto a falta . A falta que não sinto de outra coisa. Nem de sexo sinto tanta falta.
Gente não me faz falta, podia existir sem gente, mas não sem livros.
Sei do paradoxo disso, quem escreveria os livros.
Não me envolvo com gente, não tenho interesse, exceto pelo fato de vez por outra querer ter um prazer que sozinho não posso ter. Enquanto meu corpo não me pede para sublimar, tenho relações funcionais com pessoas funcionais.
Não sei se tenho medo do outro ou de mim.


Matéria bruta

É primitiva, serve de base para eu burilar , limar, torcer como um parnasiano. Somente nela posso dar a forma que espero.
Peguei-me esperando algo. Que surpresa!!!
Mas o material é mais duro do que eu imaginava.
Não tenho ferramentas para esculpir e não tenho tempo.
Eu tenho pressa, pressa, diz o coelho com o relógio na mão .
E Alice ficou olhando esperando a informação.


Por que não estamos na esquina?


Foi um grande non sense. Existir, não faz parte do contexto, não faz parte do texto decorado.
Decoramos o que já sabíamos. Coisas que fingimos não nos importar mas que importam,já que incomodam. Fingimos o tempo todo. Cada um com sua máscara de defesa. Processo árduo de preservação de si mesmo. Preservação de nós mesmos. Do espaço, da intimidade, das idéias. Pontos de vista opostos. Ninguém se arrisca, jamais. Nem olhar. Eu me arrisco, esvazio-me a cada dia, pensamentos tumultuados, questionamentos sem respostas, frases nominais.
O que suga tanto? O que não faz parte de nenhuma história.
Por que não estamos na esquina? Por que não atendemos aos outros chamados?.
“Punhetação” mental. Imaginar não é criar expectativas.
E depois do encontro, o que há? Certamente outro encontro.
E enclausurados em si mesmo os encontros sobrevivem.




O homem do ponto

Sair não saia. Sua religião não permitia. Achava que sabia encontrar sozinho. Já existia há tempos. Ninguém reclamara de seu tato .Mas o ponto que leva seu nome era uma obsessão. Cada vez que comia voltava-se em meio a refeição para aquilo que poderia levar sua marca. No entanto, nessa fase a mão parecia esquecer-se do dever.
Pelo estudo entendia que certos pontos só aparecem por intermédio de uma conflagração de outros. Mas isso era em tese, e em tese também tinham outras questões.
Instaurou-se a perturbação. Deixaria seu ponto/nome marcado ou negaria seu Deus? O culto era do absurdo, de joelhos não conseguia rezar.
Sentou-se e preferiu abdicar de seu trono e de seu nome.






A origem da tragédia através do doce


Bateu a porta, entrou na sala. Procurou na mesa o doce trazido e deixado.
Sentou-se no sofá velho manchado de vinho e chocolate e ficou comendo . Seria mesmo uma pessoa cruel? Reviu suas falas para tentar entender do que falavam. Abriu o dicionário no verbete e nada ficou muito claro.
Não entendia a colocação que ela tinha feito. Pensou ao contrário, invertendo o que ouvia, e não fazia sentido.Lembrou-se do desenho infantil, uma bruxo e um gato. Mas o que tinha isso a ver?
Pensou mais, mais, pensou nos animais, em Nietzsche, mas não iria tão longe, subestimou-a. Ficou louco e se matou. Seria esse o caminho?
Pegou mais um doce, olhou as horas, enfiou tudo na boca. Engoliu .Junto com a saliva foram também os últimos pensamentos que ela tinha deixado. Melhor não questiona-los. Levantou-se, foi para o quarto, pegou um lençol limpo estendeu na cama, deitou e dormiu.

terça-feira, 24 de junho de 2008

azul


Azul

Acordara sozinha com raios de luz que penetravam pela janela,refletindo o azul da cortinas, estava calor e o sol forte anunciava que já era tarde, do lado da cama, no criado mudo,um pequeno pedaço de papel mostrava um bilhete.
Ficou pensando sem se mover, não se lembrava daquele papel, pensou no dia por vir e logo veio a mente uma sensação estranha.
Jamais procedera daquela forma, deixar que seu corpo a levasse sem medir as conseqüências, não sabia quem era aquele homem, nunca o tinha visto até aquele dia num simpósio onde ele era o palestrante, porém isso não importava, sentia-se atraída pela sua fala mansa, pelos seus gestos precisos, pelo seu corpo, do qual se via apenas parte do braço descoberto pela manga da camisa dobrada, disfarçando a fina penugem castanha que cobria sua pele clara, não chegando com ela a contrastar,suas mãos eram como um suave prolongamento de seus braços que conduziam sua fala num gesticular envolvente. Seus movimentos irradiavam pura energia e o brilho de seus olhos misturavam calor e sedução junto do desassossego de suas pernas ao andar pela sala enquanto falava, não fixava o olhar que parecia procurar algo além das palavras que ouvia saírem de sua própria boca.
Tudo começou quando pensara em ir cumprimenta-lo após a palestra. Era tímida e isso fazia-lhe insegura, bloqueava suas ações mas não o seu desejo. Ao olhar aquele homem sentia-se arder, sua boca tornava-se seca e seu rosto quente, tentava caminhar e seus pés não se moviam, estava atordoada, tinha medo que todos a olhassem, que falassem dela, que percebessem sua aflição e isso a incomodava, olhava incessantemente para os lados dissimulando as atitudes. Correria esse risco? Temeu não ser notada, ser mais uma entre as dezenas de homens e mulheres que dele se aproximavam .
E se ele a desprezasse? Estaria preparada? Sua educação tinha sido repressora, em casa, escutava a mãe a dizer-lhe que não deveria expor seus sentimentos, nem se submeter as paixões, mas não se tratava disso, não eram seus sentimentos que estavam em jogo, já poderia se permitir viver aquela situação, porém , e se não valesse a pena?Se sentiria fácil,volúvel e teria que carrear essa culpa, esse peso em sua consciência, que nem o tempo poderia apagar. Entretanto, no íntimo, já havia decidido, se arriscaria, pelo menos dessa vez.
Foi, ele terminara a palestra e guardava suas coisas, quase todos já o tinham cumprimentado, ela cumprimentou-o e depois de convida-lo, saíram para um café que ficava a poucos metros da sala de conferência. Lá, o burburinho de vozes não deixava que um ouvisse o outro, melhor assim, ela estava nervosa, não sabia o que dizer, nem o que fazer, só sabia que estava agindo impulsivamente e nuca fizera aquilo antes. Sua voz que era suave estava trêmula, procurava não demonstrar sua ansiedade. Pediu um chocolate com whisque, nunca bebera, mas sabia que o álcool a relaxaria e daria segurança que precisava para ir adiante. Tomou o chocolate e o calor em sua boca já a fez sentir-se mais leve e estimulada. Sugeriu então um outro local. O homem olhou-a surpreso e ela corou, sentiu-se atrevida e a dúvida novamente se fez presente, pensava no que poderia acontecer, sabia que nem todas as pessoas entenderiam, quem a apoiaria? Oscilou entre retirar a proposta ou confirma- la, seus pensamentos se confundiam,sentia no sangue sem suas veias um imenso calor. Teve vontade de se desnudar por inteiro, sem medos ou vergonha, vontade de dançar suavemente embalada pela canção que soava em sua mente excitada. Queria seduzir aquele homem por completo , fazendo com que ele lhe desse todo prazer que nunca sentira, continuou.
Saíram do bar, ganharam a rua, na noite quente e estrelada soprava uma brisa calma que vinha do mar e arrepiava todos os corpos numa mistura de frio e prazer, ela levou-o ao seu apartamento, mesmo lugar onde agora ela se encontrava pensando no que fora sua noite, no quanto havia sido afoita, e no grande prazer que sentira.
Sentou-se na cama e olhou no espelho que ficava em frente, pelo reflexo viu o bilhete de poucas linhas que estava ao lado, receou em pegá-lo. O que teria escrito? Não sabia como tinha se deixado levar. Lembrou então que seu desejo era incontrolável e que havia se abandonado a ele. Olhou outra vez para o espelho e agora fitou sua própria imagem nele refletida, não era feia, e a sensualidade transbordava de seu corpo de forma muito natural tornando-a bastante atraente, gostava disso,mas, nesse momento o que importava era o bilhete,não possuía coragem para ler o que estava escrito, talvez por medo.
Encheu-se de firmeza e tomou então o bilhete em uma das mãos, levou-o aos olhos e leu. Era um lembrete que ela mesma havia feito para não se esquecer da palestra que aconteceria naquele dia à noite.

parte de mim

Falei  que estava em processo para minhas amigas. Eu tenho muitas  e quase todas sabem dos meus sofrimentos  , das angústias etc. Sabem das ...