Sentimentos de papel
O tempo ensina, palavra do todo. Frase da razão.
O tempo ensina que o melhor é transformar em papel todos os sentimentos.
Desse jeito alcança mais gente, se difunde pelo mundo e não mundo, navega na internet.
Atinge a quem quer e quem não quer. Não vive encapsulado, mas se esparrama feito câncer quando sai da membrana celular e busca na noite outras células para inocular.
Sentimentos de papel viram de teoria, alertam, esclarecem, refletem, contaminam.
Obscuro desejo de todos, que poucos realizam.
Mosaico de palavras
Não busco mais um único sentido. Me acostumei a ver múltiplos sentidos em tudo, ou não ver nada além do que o básico que se permite ver. Vivemos o hoje com essa famigerada vontade de ter que dar uma função para tudo. Não vivemos simplesmente contemplando o dia, a vida e a noite. Mas ficamos numa masturbação exagerada de nossa mente em busca de alguma coisa, que não vai fazer diferença para grande maioria dos mortais.
Sinto em mim mais a presença dele e de suas ideias do que eu queria sentir. Na verdade não é que eu sinta ou veja nas minhas ideias as dele, não é isso, eu sinto em mim a interpretação das ideias dele. Como se eu escutasse sem escutar o que ele falava e daí fizesse as minhas ideias das leituras que fiz das ideias dele. De repente, a ideia dele verdadeira nada tem a ver com a minha . O que é mais provável.
Li Foucault falando da escrita de si mesmo, e dessa escrita que só agora me fiz conhecer, ele fala das cartas. Do efeito da carta sobre quem lê. E que a carta para quem lê é como a presença daquele que a escreve. Será mesmo assim? Rememoro todos os meus escritos e o quanto de minha vida gastei,usei, escrevendo cartas para qualquer um que estivesse presente no meu momento.
Aprendi isso não sei quando, pensava que tivesse sido com Rahel, a personagem de Hannah Arent mas não foi. Foi antes disso que me dediquei a escrever cartas para mim mesmo. Escrevia buscando sempre elaborar o que me acontecia. Mas não elaborava, porque não relia as cartas. Escrevia para mim, e não me mandava as cartas, não me endereçava. Logo não tinha o prazer ou a dor de me ler. Então não sabia o que eu tinha escrito para mim, e escrevia de novo a mesma carta. Fiz isso 999 vezes. Muitas vezes. Guardei tudo, pois não sou do tipo que joga o passado, nem o presente no lixo. Guardo tudo, só para que um dia depois que eu morrer alguém tenha o trabalho de fazer uma grande fogueira com todos esses papeizinhos multiformes de mim.
Todavia pode ser que eu também tenha sorte, ou azar, de alguém preparado querer fazer mosaicos de palavras com trechos de mim. Seria uma coisa meio disforme, desconexa, translouca no sentido mais que na forma.