Querida Virginia,
Finalmente assisti ao filme que leva no título o seu nome. Quem teria medo de você?Boas atuações.Interessante. Reflexões, verdades, mentiras etc e tal. Você já falou dele várias vezes, dessa vez me pergunta se assisti.
Pergunto se você se identifica com aquele casal. Se identifica? Talvez “em algum lugar no passado”? Hoje não pode, exceto o fato de querer achar identificações para mover a coisa, te mover e mover os outros.Sei lá.
Sou mais o professor viscontiano, ou viscontino, aquele preso num cristal do tempo...(deleuziano?) que se esborracha no final, mas com muito mais tesão, diga-se de passagem, tesão recolhido... que é mais intenso, eu que o diga.
Existe até direito das coisas, sabia?
Mas não é isso que eu queria falar, cara Virginia. Tudo aquilo, no filme, é um grande jogo, auto-destrutivo, talvez, mas também necessário para a vida deles. As vezes a vida cai numa mesmice, extremamente previsível que as pessoas começam jogar para que algo novo surja no campo da ação. Não no campo da idéia, porque essa é imbatível, tudo pode prever e imaginar, ou não?
Nossa mente prevê tudo, imagina tudo, então não tem surpresa para ela, “a realidade não pode oferecer nada de novo;a reflexão já antecipou tudo” Já diz Rahel Varnhaguen por Hannah Arend.
Por outro lado Virgínia, será que você joga a bola para o outro, fazendo com que ele fique o tempo todo pestanejando, refletindo sobre o que você fala, como que querendo ver nele o que você diz?
É como se sua voz fosse a voz da autoridade, cara Virgínia, a voz de uma grande escritora, que vai fundo na mente humana, que supõe ir fundo na mente humana, para desvendar-lhe o grande e mínimo mistério. Ou você quer jogar?
Só que, cara Virginia, você se irrita. Se irrita porque encontra uma mente muito ingênua, pura às vezes, uma mente que por mais, que tenha vivido não se deixou contaminar. Uma mente romântica sim, que exalta até mesmo os ideais disso. Sem medo.
Ingênua porque não alcança as coisas como realmente são, ou porque mesmo alcançando não se importa de ser assim?. Com 20 anos, como diz você, querida Virgínia.
Mas e daí que seja assim?. Por que você fica vermelha e repete isso, querida? No que mudaria o fato de ser essa mente amadurecida, velha, sagaz, maliciosa, jogadora?
Acho que certamente, mudaria que seria outra pessoa, não eu. Aí, não teria o riso excessivo,o ritual, as brincadeiras, as infantilidades, os “pitis”, todo o especial meu.
Você, linda Virgínia , fala com veemência que eu minto, que se não minto consciente, minto inconsciente, só se for, porque eu não gosto de mentir, me agride. E o que é inconsciente não nos pertence, a não ser que o tenhamos revelado um dia por nós mesmos, pois mesmo revelado pelo outro , se não estamos preparados para ouvir, não ouvimos, não adianta.
Dizer que eu minto, me fere, como fere a uma criança, que é ensinada a não mentir sobre as coisas, e quando julgam que ela o fez e ela não fez, ela chora, porque não consegue se defender num mundo de adultos que sabem tudo, ou julgam saber.
A mentira pode ser legal. “ mentir toma a herança da reflexão, resume-a e faz uma realidade a partir da liberdade que a reflexão conquistou”. “Mentir é adorável se o escolhemos, e é um componente importante da nossa liberdade” (HA)
Mas eu não estou fazendo isso, eu não estou mentindo para você minha querida Virginia.
Embora eu ache que você queria que eu estivesse. Mas sobre o que acha que eu minto?
Às vezes, se recusa a ouvir o que eu falo, que diga respeito ao passado. Tudo bem, já foi. Mas nesse caso . Ele foi quem ditou o presente, infelizmente. Se não fosse a imagem dele, e tudo que ficou lá trás, nada ocorreria. Mas já foi, não interessa.
Virginia, você não gosta de falar disso, não te interessa . Eu não entendo muito isso, porque, como romântica, gosto do passado, vivo das idealizações, chego até ao cúmulo de deixar nesse campo a ter que concretiza-las, mais romântica impossível. Porque sei que a realidade nunca chegará aos pés do que imaginei . Como o amor romântico que liberta o amante da realidade da sua amada.
Doce ilusão a minha? Não, eu sei que a realidade não chegará, que os homens nunca serão bons suficientemente para alcançar o ideal. Eu sei, eu não estou iludida. Convivo com isso o tempo todo. A humanidade é cruel, os seres são medíocres, não vão além e talvez eu é que seja simplória.
Mas não me importo, jamais me importei. Será que foi a proteção, a ingenuidade da criação que me fez ser assim, mas todos junto comigo o são. Todos são bons, não procuram ver o lado ruim das pessoas,acreditam sempre nelas até que se prove em contrário. Vêem a vida desse jeito, “cor de rosa” apesar de tudo.
Apesar de não sermos ricos, de não termos freqüentado as melhores escolas , de termos grande deficiência em nossa bagagem intelectual, lingüística , de não termos freqüentado maravilhosos lugares, ou ido a restaurantes ótimos, ou termos amigos milionários, ou grana para fazer qualquer coisa.
Sou assim. E o que importa eu ser assim, para o contato que temos? Você quer que eu seja diferente, por que.?
Por que incomoda? a ponto de ficar falando e me cobrando isso.
__Você vê a vida sob a sua ótica. E acha que todos agem, julga todos sob sua ótica.
Mas todo mundo vê assim? Ou não. Talvez eu seja mesmo narcísica. E você tenha razão.
Cada um pela sua própria ótica, querida Virginia.(talvez com influências...mas)
Eu não pego emprestada a visão do Sartre, do Nietzche de qualquer um para ver a vida. Pego a minha, é mais fácil .
E eu não tenho o dever, ainda bem, de ter que ficar discursando o tempo todo. Eu posso tirar a máscara e ser eu mesma quando quero. E posso falar a besteira que quiser quando quero, sem medo de que fiquem me avaliando, se o que falo condiz com minha imagem e meu currículo lates.
Eu estou me lixando para isso.
Eu não tenho que representar na minha intimidade com alguém, quando vou com alguém para cama,nem quero que representem para mim. Eu não vou para cama com o currículo lates de ninguém. Nem fico tirando as comprovações do que ali está.
Eu quero continuar sendo simples, sendo eu, e poder desfrutar isso com as pessoas que gostam de estar em minha companhia, Virginia você entende isso?
Quando falo que mentiram para você, confesso, nem fui eu que disse isso, Eu copiei. Como no filme, “de onde é essa fala?” Copiei e falei, confesso, jamais eu pensaria isso das pessoas e não pensei, meu amigo falou isso para mim, e eu repeti, e achei que tinha surtido um impacto. Aí repeti mais vezes. Porque também achei que tinha um pouco de sentido pelo contexto que você falava. Conhece o verbo latino “putare”. Muito usado no direito. Eu, de tudo aquilo que você , amiga, falou, só me lembro mais da contestação quanto a verdade. Que eu minto e que sou ingênua. Já expliquei os dois. Mas não minto.
Posso não saber o que faço e quero, não saber mesmo. Não saber o que quero, nunca soube mesmo e aprendi a viver com isso,sem ficar me questionando o tempo todo. Sou a dúvida em pessoa. E não preciso está com tudo decidido sempre. A vida não precisa que sejamos sempre decididos. Que tenha todos os modelos pré-determinados. O que tenho que arranjar, arranjo, o resto, deixo acontecer. Não tenho que decidir o que vou fazer antes da hora certa. Eu não posso mudar a moira . Se tiver que ser qualquer coisa, será, não será minha decisão que influenciará o trâmite normal da vida. Quem sou eu para impedir que chova sobre mim, quero mais é que venha uma tempestade para que esse guarda chuva chinês vagabundo se quebre inteiro.
Eu posso oscilar, eu posso ter dúvida, eu posso querer e não querer ao mesmo tempo. Eu posso estar presa e querer ser solta, e posso estar solta e querer me prender segundo depois.
Eu posso amar e odiar no mesmo minuto. Eu posso urrar de tesão ou morrer de tédio um segundo depois. Sou livre, Porra!!!, isso é muito bom. Não estou presa a nada. Sabe o que é isso? Ninguém depende de mim. Posso ir onde quiser com quem quiser. Eu não dependo de ninguém também. Exceto da minha vontade. Nem mesmo do meu tesão sou escrava. Posso até dizer que sou , mas não sou.
Mentiras e verdades sobre sexo... Não respondo pelos outros, embora possa achar algo, mas com base em mim, lógico que é assim. Se você, querida Virgínia , elas, eles ,tiveram muitas vivências, fizeram de tudo nesse campo. Muito bem. E agora só o trivial básico . Ótimo!!!. Tem todo direito.
Cada um faz o que quer. Mas também não me peça para querer só o que você quer. ai vc estará impondo a sua vontade sobre mim. E isso não é justo. Cadê a liberdade de expressão e ação . Vou impetrar um “habeas corpus” .
Eu posso aceitar o que você quer, e aceito, quando quero. Mas não pode me impedir de querer mais. Entendo o jeito seu. Compreendo limitações. Também as tenho.
Outras horas parece que você quer me atingir de alguma maneira. Parece que tem culpa, uma ação estranha ,sei lá que diabos é . Diz que não há interesse, que se dane o meu prazer complexo, que gosta do simples, poderia não fazer nada, que vou e venho porque quero, que não quer ouvir reclamação, que é melhor não falar, impede que eu fale, inibe minha fala. Não inibe meu movimento.
Serei eu uma eterna insatisfeita?
Não quero nada de ninguém, não peço nada para ninguém, que mudem ou qualquer coisa. Mas também não quero que me peçam para deixar de ser quem eu sou.
Será que era isso que você queria, amiga Virginia, que eu falasse isso tudo que ao vivo, não consigo.
Na verdade, “ estou mantendo uma bela função aqui; o que estou realmente fazendo é escrever uma desolada carta (...) ; foi só isso que me restou, isso! Mas fique calma, estou escrevendo apenas para mim mesma, não para você. Estou apenas lhe mostrando o que me faz sofrer... o que me fez sofrer, sem pretender” (HÁ)
Como em tantas outras vezes, amiga Virginia, em que te escrevi e não mandei, ou se mandei depois recuei, hoje, eu mando e digo que não tenho medo de Virgínia Woolf.
Até porque nas cartas “a manifestação desinibida, a indiscrição franca se não é endereçada a posteridade é a um ouvinte real que anônimo, como se não pudesse responder”(HA)
Querida Virginia, tenho dois ouvintes, como disse, primeiro eu mesma narcísica eu???imagina!!!), depois um anônimo que não tenho idéia, que conheço sem conhecer, sabe como é?
Talvez eu conheça o amigo do que eu não conheço.
Sei lá. Tudo uma grande confusão de conhecimentos. Será que as palavras são inimigas do sentido e do conhecimento?
Deixa pra lá... Gosto mesmo é de comer chocolate.
sábado, 18 de outubro de 2008
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